Pro alto e Cervantes
Quando você tá todo fudido, quando seu peito dói e você não consegue comer por vários dias, quando a porra da bebida faz algum sentido na hora que você acorda é porque seu coração tá um lixo, com as válvulas trancadas como um cano de esgoto entupido e a gravidade tá te jogando pro fundo do oceano; isso porque as coisas ficaram densas demais em você e isso faz com que seu corpo, naturalmente, afunde nisso tudo… e isso dói pra caralho e a pressão do fundo do mar te sufoca e você não consegue dar um passo sem sentir um abismo — que já se tornou conhecido por você — quando tudo isso acontece; às vezes e é bem raro isso, às vezes você é catapultado pra fora do mar por uma explosão que não te arrebenta mas por uma explosão que te reconstrói e você volta pra terra por inteiro, volta a sentir seu coração bater e em volta de você começa a ser construído um foguete com todas essas merdas tecnológicas de propulsores, tanques de combustível, braço mecânico, cabine espacial… e toda essa merda está sendo construida sem que você perceba e enquanto você ainda está se dando conta do ar, da gravidade, do alívio que é só a pressão atmosférica em volta de você, enquanto você ainda está tentando reconhecer essa atmosfera os propulsores são ligados e você levanta vôo sem contagem regressiva, botando fogo em tudo que ficou pra trás, ganhando logo altura e largando essas porras propulsoras no oceano mais próximo que só prestaram pra te arrancar dali e sem essas merdas pesadas a gravidade começa a fazer parte do passado e você começa a sentir a altitude e deixando de sentir a atmosfera o azul do mar se curva diante do horizonte e você assiste pela janela do foguete que se criou em volta do seu próprio corpo o caminho contrário de uma estrela cadente, aqui você não morre de atmosfera, agora você nasce pro espaço e se pergunta: quem é que precisa de gravidade quando se tem velocidade pra orbitar no universo?
Maio de 2014