Considerações Sobre o Pensamento Econômico e suas Consequências Pela Idade Média Cristã. :: Pgaya

Pedro Gaya
P / G Publications
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14 min readOct 30, 2019

Infelizmente, é um lugar-comum, sempre que alguém se refere à Idade Média, se ouvir falar em “trevas” e “barbárie”, quase sempre com uma expressão de escárnio e desprezo. Mas, ao contrário do mau odor que exala este preconceito herdado dos iluministas, tanto a filosofia quanto a ciência moderna devem muito — muito mais do que se pode imaginar! — à Idade Média e à sua monumental escolástica. — Prof. Ubiratan Iorio.

É praticamente impossível efetuar um estudo sério do cristianismo sem descobrir, entre seus “valores”, a crença numa ciência racional da ordem humana e social e, sobretudo, do direito natural. — Eric Voegelin.

I. Contextualizando o Império Romano Decadente.

  1. Em seus três últimos séculos de existência, o Império Romano encontrava-se com uma miríade de problemas. Contava com as constantes (tentativas) invasões vindas da Germania e das áreas mais orientais do império, uma inflação e controle dos preços produzidos pela redução em 93 pontos percentuais do teor metálico da moeda — necessário para a política fiscal expansionista desenfreada de seguidos imperadores. Em suma, a decadência do império apareceu durantes centenas de anos.
  2. Alguns imperadores merecem menção especial, pois suas ações foram especialmente determinantes para a história de que tratamos aqui. Comecemos, pois, por Diocleciano (governou de 284–305). Talvez a decisão mais onerosa sobre a burocracia romana tenha advindo de sua tetrarquia. Quer dizer, a nomeação de um co-imperador para Milão, a mudança da capital para o oriente (em Sirmium) e a nomeação de um caesar para a fronteira da Germania e um para a Syria. Decerto essa divisão administrativa contribuiu enormemente para o caos da organização urbana, até então centrada na cidade de Roma, e para a piora definitiva da moeda, anunciando o início do esvaziamento das cidades em troca da segurança alimentar do campo.
  3. O próximo de que devemos tratar é Constantino (governou de 307–337), que nomeou a capital oriental (a cidade que se chamava Bizâncio) de Constantinopla. O fato relevante de seu governo para o nosso assunto presente é a elevação do cristianismo à religião oficial do Estado. Tal como a criação da tetrarquia, a criação de uma nova burocracia religiosa muito onerou o império. Voltando as atenções agora para Constâncio II (governou de 337–361), começamos a tratar dos primórdios de nosso tema central. O Concílio de Nicéia e os credos avaliados em torno da relação substancial entre Pai e Filho foram o primeiro assunto cristão em que o Estado tomou parte ativa. O Concílio de Nicéia, na realidade, foi presidido por Constantino, que grandemente influenciou seus resultados por éditos imperiais, chegando a um desfecho que não era factualmente aprovado pelo Concílio. Assim, com grande parte do clero oficialmente praticando heresias e rezando os credos de Sirmium, Constâncio II teve de congregar o clero em várias situações, chegando a uma nova conclusão e promulgando o Credo Niceno. Isto é, voltaram atrás na caracterização homoousios (de substância idêntica) entre Pai e Filho e adotaram a homois (como/do mesmo tipo). Apesar da discussão explanada nada alterar economicamente, devemos compreender que todo o debate doutrinário, inclusive o Direito Canônico, sempre conferiu muito bem seus precedentes.
  4. Durante o governo de Constâncio II, surgiu uma figura muito proeminente na história da filosofia e da teologia, sendo esta Santo Agostinho. Tendo iniciado sua formação intelectual como um orador, a conversão de Agostinho ao cristianismo verteu toda a sua habilidade a tratar das questões com as quais se defrontava. Em seu A Cidade de Deus, Agostinho refuta com maestria a acusação de que o cristianismo era a causa da crise imperial. Na mesma obra, apesar de não ser seu tema central, acaba tratando de temas que concernem à economia, endossando as ideias de que o preço justo é o preço de mercado, de que é a justiça que legitima o Estado e não o domínio de facto e de que o comércio é um trabalho de mesma dignidade que os demais. É importante tratar de Agostinho, pois suas ideias influencia(ra)m grandemente os autores católicos e seus contemporâneos, tendo importante papel na história que se segue.
  5. Para finalizar essa contextualização, devemos analisar as fontes principais do direito romano para os romanistas da Idade Média. Ou seja, devemos falar de Theodosio II (governou de 408–450) e de Justiniano (governou de 527–565) com, respectivamente, o codex theodosianus e o codex iustinianus. Primordialmente ambos os códigos encaixavam-se, em linhas gerais, no que hoje chamamos de laissez-faire. Quer dizer, consideravam o preço justo como o preço da livre negociação e, como consequência, defendiam esta. O segundo código, no entanto, falava do conceito de laesio enormis, que mais tarde será magnificado pelos romanistas de Bolonha. Assim, findamos aqui a contextualização da queda do império e, saindo da Idade Antiga, entramos na Idade Média para tratar do Império Carolíngio, os Canonistas e Romanistas de Bolonha, a usura, o crescimento da Universidade de Paris provocado pelos Capeto, São Tomás de Aquino (Aquinas), os franciscanos do final do século XIII e, já na Idade Moderna, a Escolástica Tardia da Universidade de Salamanca.

II. Da Sociedade do Medievo, do Império Carolíngio e do Renascimento Urbano.

  1. A capitulação do Império Romano em uma sociedade agrária descentralizada configura aquilo que se costuma chamar de feudalismo. In stricto sensu, tratar a sociedade medieval e a feudal como a mesma coisa está fundamentalmente errado. Como nos informa a historiadora medievalista Susan Reynolds, o feudalismo é caracterizado exclusivamente pelas relações tal como eram no Império Franco. Dito isso, o fato é que há verossimilhança entre esse caso e a vida na Europa medieval, em geral — sendo que ao final da Baixa Idade Média, coisas significativas se alteram. Assim, cabe referir-se, na falta de melhor termo, à alguns fatos europeus desse período como feudais, mesmo que não o sejam propriamente.
  2. O Império Franco sob Charlemagne (Carlos Magno) ficou conhecido como Império Carolíngio devido ao nome da dinastia. Tendo sido governado antes por pagãos e os Merovíngios, o império realmente atinge o auge de sua autoridade e prestígio com os Carolíngios. A Iberia estava conquistada pelos mouros, salvo o Reino de Asturias, o papado apoiava o Império Carolíngio como herdeiro de Roma e não havia nenhum outro poder capaz de competir. No entanto, enquanto isso acontecia, Charlemagne legislava com base no conceito de turpe lucrum — do já referido Concílio de Nicéia. E assim nascem os decretos e regulamentos do Império Carolíngio. Como os romanos, os francos foram submetidos ao controle de preços, que julgava ser o preço justo aquele que era o de costume — com efeito proibindo a variação de preço e, portanto, caracterizando preços plenamente inflexíveis. Além disso, foram proibidas a especulação, a retenção proposital de estoque e o comércio com o exterior.
  3. Após a morte de Charlemagne, o império foi tripartido entre seus três filhos e, aos poucos, capitulou em vários pequenos feudos de facto independentes. Pobreza e destruição política foram o resultado da legislação econômica dos Carolíngios, como nos mostra não só a história, mas também a teoria econômica vigente. A descrição do processo de recentralização, em especial da região francesa, pode ser encontrada no Magnum Opus do sociólogo Norbert Elias, no qual ele descreve como a dinastia Capeto foi, lentamente, reestruturando o poder real a partir do Ducado de Francia. Já o historiador francês Jacques Le Goff fala dos resultados desse processo, com as riquezas dos Capeto financiando a urbanização de Paris, com a formação de um círculo de intelectuais na Universidade de Paris.
  4. A queda do Império Romano não havia deixado mais do que umas poucas cidades esvaziadas e em relativa ruína. A pesquisa deixa dúbio quando exatamente aconteceu o renascimento urbano europeu, com datas variando entre o século IX e o XIII. No entanto, algo é claro: foi o empoderamento de instituições políticas e religiosas que produziu as condições materiais necessárias para a urbanização e, portanto, para um novo desenvolvimento intelectual.

III. De Canonistas e Romanistas da Universidade de Bolonha e da Usura.

Mapa Mental "Canonistas e Romanistas da Universidade de Bolonha". Powered by WiseMapping.
  1. Quando a centralização política de várias regiões, em maior ou menor escala, é concretizada, as discussões concernentes aos temas econômicos voltam a ocorrer, em especial na Universidade de Bolonha. É na coletânea de Santo Ivo de Chartres que os nomes de Bolonha encontram seu primeiro objeto de impasse: os decretos e regulamentos carolíngios estando em conflito com os ideais do codex theodosianus. É então que é publicado o Decretum Gratiani, de Johannes Gratianus, que fundou a tradição do grupo decretista. Os decretistas, a partir do Decretum, absorveram a legislação de Charlemagne para o Direito Canônico, rejeitando o laissez-faire de Theodosio II em princípio. Contudo, alguns decretistas acabaram chegando à novas conclusões independentemente do éthos que os guiava tendo Rufino, por exemplo, justificado o aumento de preços no comércio pelo trabalho envolvido (ou, em termos atuais, pelo valor agregado).
  2. Sobre o Decretum, Haguccio de Pisa escreveu sua Summa Decretorum. Nessa obra, em conflito com Graciano, o comércio encontra justificativa como fonte de sobrevivência. Na mesma, a propriedade privada atinge o status de fato sacrossanto e o Estado é reduzido mais ao papel de moderador do que de controlador.
  3. Incorporando o Decretum, o papa Gregório IX (1160–1241) cria suas Decretais, formando a corrente dos decretalistas. Esse grupo acabou sendo menos firme nas suas posições originárias e cedeu lugar ao argumento de comércio de Haguccio. No Brachylogus Iuris Civilis (obra decretalista de autor desconhecido), por outro lado, a violação do preço justo (habitual) foi expandida para bens imóveis e sua ocorrência resultava na quebra legal da transação — pois, para os decretalistas, caracterizava o já referido conceito de laesio enormis, trazido do codex iustinianus.
  4. Até esse ponto a usura era completamente proibida, resultando em excomunhão. Note-se que usura se refere a qualquer, em absoluto, tipo de índice cobrado por um empréstimo. Ou seja, um empréstimo só podia ser pago até o valor nominal no momento de sua concessão. Originando-se no grupo decretalista, o Cardeal Hostiensis (1200–1271) postulou o conceito de lucrum cessans (lucro cessante). Com ele, empréstimos caridosos com juros eram justificados pela perda de lucro que um indivíduo poderia ter se empregasse suas posses em outra coisa — fundamentalmente o que a economia atualmente chama de custo de oportunidade.
  5. Nesse mesmo período surgiu uma teoria dos canonistas de Bolonha. Para diferenciar a necessidade das práticas humanas da legislação segundo a virtude divina, dois novos conceitos foram criados: jus fori (foro externo) e jus poli (foro interno). No primeiro, a Igreja aceitava usar em seu tribunal a lei positiva da região específica onde se encontrava, no segundo seguia somente a doutrina católica e o Direito Canônico.

IV. Da Universidade de Paris, do Doutor Angélico e dos Franciscanos.

  1. No século XIII, os teólogos da já referida Universidade de Paris, que até então se mantiveram nos assuntos exclusivos à teologia, se voltam para a moral social. Quer dizer, passam a concorrer em assunto com a Universidade de Bolonha. Os teólogos diferenciam o preço de mercado do preço justo — especificamente Alexandre de Hales (1185–1245) identifica, como o Decretum, o preço justo como o habitual. A partir desse princípio, considerou-se pecado capital cobrar preços superiores ao justo, sendo justo o comerciante que não o fizer — e recomendando-se caridade para o comerciante. Em flagrante competição com os juristas de Bolonha, a superioridade da lei divina (da teologia de Paris) foi afirmada sobre a lei dos homens (característica dos juristas). Além disso, Santo Alberto Magno (1205–1280), de Paris, adotou o argumento das recém redescobertas obras de Aristóteles (384 AC-322 AC) de que a moeda (o metal) é infecunda, reforçando a condenação à usura que Hostiensis havia afrouxado.
  2. Aluno de Santo Alberto, São Tomás de Aquino (1225–1274), o Doutor Angélico, muito se aprofundou em Aristóteles e, unindo a tradição do estagirita à teologia cristã fez sua tão aclamada conciliação entre razão e fé. Daí nasce o tomismo — como o ponto dourado da escolástica. A partir desse sistema, conclui-se a defesa do preço justo, sem uma definição muito clara, mas com evidências de que se referia ao preço de mercado — notando, inclusive os efeitos da oferta e da demanda. Aquinas atribui o valor de algo (diferente de preço) como advindo de trê fatores: utilidade, custo e trabalho. Assim, fazendo um simulacro da teoria do valor-trabalho, de Karl Marx (1818–1883) devido à esse último fator ter alcançado importância na justificação do comércio, como Rufino. Apesar desse elemento de justificativa, o Doutor Angélico identifica o comércio como algo benéfico para todas as partes envolvidas. Além disso, o aquinate realiza uma defesa completa da propriedade privada como eficiente e vê em sua apropriação original um desígnio divino, fundamentalmente admitindo ser um Direito Natural.
  3. Apesar de toda essa defesa do que hoje, decerto, a teoria econômica considera positivo para o funcionamento do mercado, Aquinas condena a usura, inclusive aquela defendida pelo Cardeal Hostiensis. Como seu mestre, por ter admitido a infecundidade da moeda, Aquinas acaba por ver o valor de face da moeda como seu único preço, condenando os juros exatamente como uma variação de algo já determinado. Segundo essa lógica, por outro lado, faria sentido alugar um dinheiro que nunca viria a ser utilizado ou investir em uma sociedade mercante de que se é sócio — distinguindo empréstimo de aluguel e investidor de credor.
  4. Discordando fundamentalmente da infecundidade do dinheiro, da origem do valor e do Direito Natural à propriedade privada, estão os franciscanos do final do século XIII. Pedro de João Olivi (1248–1298) afirmou que o valor advinha da combinação: utilidade (virtuositas), desejabilidade (complacibilitas) e escassez (raritas). O padre Duns Scotus (1266–1308), por outro lado, atribuiu o valor ao risco e ao custo. O mesmo padre, como veremos ser importante mais tarde, rompeu a paz entre fé e razão estabelecida por Aquinas.
  5. Olivi foi o primeiro a perceber que o capital acumulado era fecundo no investimento, refutando Aquinas, mas continuou condenando a usura não caridosa, seguindo Hostiensis. Concomitantemente, Scotus negou a necessidade da propriedade privada e a existência do Direito Natural, sendo apoiado pelo papa Nicolau III (1225–1280). No entanto, o papa João XXII (1244–1334) pôs fim à questão, dando razão formal ao Doutor Angélico.

V. Da Escolástica Tardia.

  1. A Idade Média se encerra em 1453, com a queda de Constantinopla para os otomanos. Esse tema, no entanto em quase nada se relaciona com as questões de que tratamos aqui. Há, porém, nele um elemento relevante para nossos fins. Isto é, a Escolástica Tardia de que vamos tratar tem esse nome exatamente por situar-se maciçamente fora do Medievo, que é o ambiente de gênese e ascensão da escolástica.
  2. Antes de tratar de Salamanca, no entanto, devemos nos voltar para as mudanças intelectuais ocorridas. Findada a Idade Média, podemos dizer que, salvo Salamanca, o intelectual medieval foi substituído por um outro: o humanista. E aí voltamos à Duns Scotus e introduzimos Guilherme de Ockham (1285–1347): suas quebras do equilíbrio fé e razão firmado por Aquinas criaram, em grande medida, a intelectualidade que sobrepõe a razão à fé — ironicamente, o contrário do que os próprios queriam.
  3. Segundo o prof. Ubiratan Iorio, a escolástica pode ser tripartida da seguinte forma: “Escolástica Primitiva (séculos IX ao XII); Escolástica Média (séculos XII e XIII) e Escolástica Tardia (séculos XIV e XV e início do século XVI)”. De acordo com esse critério, podemos dizer que até então, salvo na nossa contextualização romana, tratamos fundamentalmente da Escolástica Média, na qual as questões relevantes ao tema das ideias econômicas apareceram. Cabe, pois, notar, que a escolástica primitiva se encarregou de desenvolver todo o método de debate e questionamento utilizado pelas suas versões posteriores — foi nela que surgiram as quaestiones e disputationes.
  4. De certa forma, apesar de ser a última herdeira da escolástica, Salamanca não manteve a conciliação fé e razão em detrimento do humanismo, como se pode imaginar. A Teologia e a Filosofia de fato se despediram até para a Escolástica Tardia, mas não o método ou o éthos firmados pelas etapas anteriores.
  5. Vale notar que durante o período áureo da Universidade de Salamanca, os países Ibéricos, em especial os Reinos de Portugal e de Castela, estavam a realizar uma aventura marítima sem precedentes, as conhecidas Grandes Navegações. Não deve, portanto, surpreender o leitor o fato de que havia muito ouro chegando aos portos ibéricos, em especial o porto de Sevilha. Estima-se que a quantidade de ouro em moeda na Europa tenha triplicado graças à essas expedições, destarte, causando um período de contínua inflação. É relevante explicitar esse fato, pois talvez tenha sido graças aos eventos monetários da época que o pensamento referente à economia tenha tratado tanto da moeda.
  6. Comecemos citando nomes menores e, depois, partamos para o Cardeal Gaetano (1469–1534) e Juan de Mariana (1536–1624). Antes, porém, devo alertar que enquanto a Universidade de Salamanca é o nosso foco aqui, nem todos os autores de que tratamos foram professores e/ou alunos lá. Assim, começando por Nicole d’Oresme (1323–1382), notamos que ele postulou aquilo que depois o ministro da rainha Elixabeth I (1533–1603) da Inglaterra iria chamar de Lei de Gresham: “A má moeda tende a expulsar do mercado a boa moeda”. Francisco Vitoria (1483–1546), voltando ao tema do qual quase todos os autores anteriormente citados já trataram, defendeu o preço de mercado, mas em retomada direta não de seus antecessores, mas do direito romano. No entanto, indo além desse assunto, ele conclui que a propriedade privada, a justiça e a paz são o resultado necessário do voluntarismo comercial. Vitória, tendo se graduado em Paris, após retornar à Espanha e ingressar na Ordem dos Pregadores, foi o responsável por estruturar o quadro catedrático da Universidade de Salamanca — ordenação que durou por todo o período da escolástica tardia. Aluno de Vitória, Domingo de Soto (1494–1560) é o outlier dos escolásticos de Salamanca — e até da escolástica mais ampla. Em linhas gerais, de Soto defendeu que todos os preços justos deveriam ser definidos por “homens sábios” e garantidos pela coroa. Além disso, insistiu no argumento de infecundidade da moeda na proibição da usura.
  7. Também aluno de Vitória, Martin de Azpilcueta (1492–1586) fez a apologia dos preços livres, percebeu os efeitos da variação da moeda e criticou o sistema de reservas monetárias o qual os bancos começavam à utilizar — fazendo o contraponto e impedindo a hegemonia de de Soto. Luís Saravia de la Calle (?-?) conclui, pela primeira vez, que os custos não produzem os preços, mas o contrário. Assim, para ele, o comércio era uma prática de plena legitimidade. Juan de Lugo (1583–1660) percebeu algo de extrema importância para tratar de economia, em especial para a área de finanças: os mercados são dinâmicos e não há constância em todos os seus processos na realidade.
  8. Tommasio de Vio, o Cardeal Gaetano, ficou conhecido em seu tempo como o maior tomista após o próprio Doutor Angélico. Tendo, tal como Aquinas feita uma veemente defesa do preço justo, mas notando especialmente que referia-se ao preço de mercado. Apesar de seguir os passos do aquinate, o Cardeal Gaetano reprovou fundamentalmente duas visões de seu mestre. A primeira, de que a acumulação não é virtuosa. Para Tommasio, se o patrimônio de um foi ganho em virtude do trabalho próprio, não há razão pela qual o homem não deva ter o fruto completo de seu trabalho para si. A segunda, de que a moeda é infecunda, tendo de Vio argumentado, com base na expansão do lucrum cessans e em sua autoridade própria, que qualquer empréstimo de negócios está justificado perfeitamente porque o intento do tomador é multiplicar o valor em algum empreendimento.
  9. Expandindo sua obra para a área monetária, o Cardeal Gaetano tratou do câmbio como o possibilitador do comércio e desse como da cidade. Assim, a virtude do câmbio livre é permitir a alocação eficiente do comércio e, portanto, o bem-estar urbano. Nessas condições, nota ele, a expectativa de futuro importa, tal como dois valores da moeda — o valor cambial, referente às demais moedas e o valor de compra.
  10. Falando, por fim, do jesuíta Juan de Mariana, podemos ver que sua obra decerto foi a mais ousada de todas que já citamos, não somente em termos econômicos. Mariana realizou uma ampla revisão da história da moeda, desde as antigas moedas gregas. Seguindo-se, teve uma obra patrocinada pelo rei Filipe II (1527–1598), na qual afirmava, dentre outras coisas, a legitimidade da destituição e execução de monarcas tiranos — inclusive ampliando o conceito de tirano. Logo em seguida, ao reconhecer a inflação como um imposto indireto e ilegítimo, Mariana condena a adulteração da cunhagem tão popular para os espanhóis — que haviam feito uso dela para pagar a dívida. Com essas duas apologias, Mariana é preso e acusado de crime de lesa majestade, quando é condenado, mas não executado — pois o papa, responsável pelo clero, negou-se a levar a sentença adiante. Prosseguindo seu ataque ao crescente poder real, Mariana nega a Teoria do Direito Divino dos Reis, defende o voluntarismo político e econômico e condena tarifas como empecilho do compartilhamento da abundância.

Originally published at https://pgaya.webnode.com on October 30, 2019.

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