O dia que conheci Doris Allen
Uma amiga cisviana muito querida me fez um convite inusitado: me perguntou se eu poderia escrever um texto sobre meu encontro com Doris Allen, a fundadora do CISV Internacional, para o blog do CISV Brasil. Imediatamente veio a memória afetiva da emoção daquele momento e topei na hora. Só não tinha ideia de como seria desafiador escrever sobre um evento ocorrido em 1988. Ao tentar lembrar daquele dia, me dei conta, com tristeza, que esses 33 anos borraram e misturam pessoas e fatos, pelo que não citarei nomes e desde já peço desculpas por distorções que inevitavelmente cometerei.
Naquele ano, o Brasil recebia o IBM — International Board Meeting do CISV, em um hotel na simpática cidade de Águas de São Pedro — SP. Este era um encontro onde representantes internacionais e pessoas que ocupavam posições na diretoria do CISV Internacional participavam. Na véspera, aconteceria o IJBM — International Junior Branch Meeting, que contou com uma delegação do Rio de Janeiro, da qual fiz parte. O evento era inédito no Brasil e tenho certeza que os leitores que lá estavam, vão lembrar da expectativa, do trabalho duro e da emoção que cercavam o acontecimento. O IJBM é o encontro internacional de membros juniores do CISV, hoje em dia conhecido como IJBC — International Junior Branch Conference.
Assim, corria o IJBM. JBers do mundo todo, gente interessante, aquele clima sensacional, aquele festival de camisas e apetrechos de Chapters incríveis, social… enfim, era tudo de bom! Eu tinha acabado de sair do meu Seminar, também em São Paulo, e parecia estar numa extensão do programa, só que num gigantesco Camp Meeting. À tarde o Rio fez uma pequena apresentação para explicar como o nosso JB fazia para ter finanças tão robustas.
Aqui preciso fazer um esclarecimento aos leitores mais jovens. Vivíamos num país com hiperinflação e existiam aplicações financeiras que rendiam juros altos de um dia para o outro. Naquela época, praticamente todas as atividades do JB Rio eram organizadas e custeadas pelo próprio JB. O Chapter estava começando e havia investido todos os recursos na hospedagem de seu primeiro Village. Cobrávamos uma taxa por todas as atividades e fazíamos o impossível para que sobrasse dinheiro ao final. Aplicávamos estes recursos nestas aplicações chamadas de “Overnight” e a conta ia engordando. Ao final chegamos até a financiar parte do custeio do Village do Rio.
De volta ao IJBM, imagine um carioca explicando este parágrafo acima, para jovens de todos os cantos do mundo. A lembrança que eu tenho é que a coisa não ia muito bem e éramos bombardeados de perguntas. De repente, começa um murmurinho e um súbito movimento junto à porta da sala. Doris Allen estava passando e veio dar uma espiada no IJBM. Estava cercada de staffs do IBM que, com toda razão, não mediam esforços para preservá-la do avanço da turma do JB. Quanto a mim, antes de entender o que acontecia, senti um certo alívio por ver minha desastrosa apresentação ser abreviada e fui ver quem estava passando. Logo vi o topo dos cabelos branco e como o staff conseguia manter as pessoas a uma certa distância, a vi entrar sorridente, ainda que estivesse cansada da viagem. O barulho estava aumentando, gente batendo foto, movimento… até que ela começou a falar. As mãos foram imediatamente levantadas e num lapso de tempo muito curto, fez-se o silêncio. Não lembro uma vírgula do que foi dito. Sorry.
Se as palavras não ficaram gravadas na minha memória, a sua presença com certeza ficou. Os olhos dela brilhavam tanto quanto os nossos. Parecia estar extremamente à vontade no meio da garotada. Essa energia, essa imagem dela falando com os jovens e seus respectivos olhares atentos, são como uma foto que guardo num lugar muito especial. Minha lembrança vai até aí. Não tenho a menor ideia de como foi a saída dela. Só sei que a sala ficou vazia e que os pobres JBs do resto do mundo continuaram sem saber como fazer caixa e se defender da hiperinflação. Voltei para o Rio na manhã seguinte.
Preciso mais uma vez me desculpar com os leitores que lá estiveram, que tenham lembranças mais nítidas e precisas que a minha e assim, tenham uma história diferente a contar. Ficarei feliz de receber sua mensagem e contribuição para me ajudar a botar as “fotos” desse “filme” nos seus devidos lugares. Afinal, este foi o dia em que vi Doris Allen.
Glossário:
JB — núcleo júnior do CISV que realiza atividades ao longo do ano para a comunidade de pessoas associadas;
JBers — maneira como denominamos os juniors
Chapter — sedes do CISV que, dentro de um país, promovem atividades presenciais e online para que as pessoas associadas tenham experiências cisvianas
Seminar — acampamento para pessoas de 17–18 anos que acontece na esfera internacional
Camp Meeting — reuniões esporádicas que acontecem ao longo de alguns acampamentos cisvianos
Village — programa educacional em formato de acampamento voltado para crianças de 11 anos
Staff — grupo de pessoas maiores de 18 anos que organiza a logística dos programas ou eventos