Divulgação: o elo perdido entre o cientista e a população

Naíla
Ciência com Guaraná
5 min readAug 20, 2015

Por Naíla Costa

O último estudo sobre Percepção Pública de Ciência e Tecnologia revelou dados contrastantes a respeito do interesse da população brasileira em ciência.

A pesquisa, realizada pelo CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos) e pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), pode ser conferida neste vídeo e no site do trabalho.

Ao mesmo tempo em que a maioria dos entrevistados manifestou-se interessado ou muito interessado em ciência e tecnologia (61%), meio ambiente (78%) e medicina e saúde (78%), poucos procuram se informar sobre os temas por meios de comunicação: apenas 21% diz utilizar, com frequência, a TV para isso, e 18% utiliza a internet.

Percentual dos entrevistados conforme interesse declarado em ciência e tecnologia e outros temas. Fonte: Pesquisa sobre percepção pública de C&T no Brasil (CGEE, 2015)

Quando o assunto é a ciência feita no Brasil, 87% dos entrevistados não soube dizer o nome de alguma instituição de pesquisa de destaque no país e 94% não se lembra do nome de algum cientista brasileiro famoso.

Imagem disponível no site da pesquisa, revelando a porcentagem dos entrevistados que não lembram nomes de instituições de pesquisa no país (87%) ou de algum cientista brasileiro (94%). Fonte: Pesquisa sobre percepção pública de C&T no Brasil (CGEE, 2015)

Ficou claro, por meio da pesquisa, que existe um descompasso entre o interesse por ciência declarado pelos entrevistados e a procura por fontes que lhes possam informar sobre o tema.

Existe, aparentemente, uma falha das estratégias de divulgação da ciência feita no Brasil. Para esclarecer mais detalhes sobre o tema, o Ciência com Guaraná conversou com o professor universitário Marco Mello, autor dos blogs Sobrevivendo na Ciência e Casa dos Morcegos.

O professor da UFMG Marco Mello é autor dos dos blogs Sobrevivendo na Ciência e Casa dos Morcegos. Foto: João Victor Alonso de Mello

Ele é professor do departamento de biologia geral da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e tem expressiva atuação na área de divulgação ciêntífica, tendo contribuído para artigos da revista Ciência Hoje, do Jornal do Brasil e participado inclusive de entrevista no Programa do Jô.

Mello pondera que cientistas, os produtores do conhecimento, e jornalistas, os especialistas em divulgar conhecimento, estão ainda muito desconectados no Brasil.

“Há cientistas que tentam fazer divulgação, mas não sabem como e acabam falando de forma técnica demais sem serem entendidos. Por outro lado, há jornalistas que não entendem de ciência muitas vezes divulgando informação de forma errada, ainda que não intencional”, explica.

Mello defende que a união desses dois grupos, de cientistas e de jornalistas, seja estimulada e, segundo ele, um dos caminhos para isso seriam as assessorias de imprensa.

“Deveriam existir mais jornalistas científicos trabalhando dentro da universidade, ligados ao que ela está produzindo e ajudando a fazer o meio de campo com a população”, argumenta.

Segundo ele, a participação do pesquisador brasileiro na divulgação científica ainda é muito pequena e deveria mudar. Mello acredita que isso seja um efeito da falta de disciplinas voltadas à comunicação com o público leigo durante a formação do cientista.

Ele prioriza que a mudança se inicie dentro das universidades, por meio do aumento da oferta de disciplinas com o foco em comunicação para cursos voltados à ciência e da contratação de professores engajados na proposta.

“O que o professor universitário ensina aos alunos é basicamente o que ele sabe fazer. Se a gente contratasse mais professores com o perfil de divulgador científico, naturalmente eles criariam disciplinas do assunto e com o tempo mais gente faria divulgação científica no Brasil.”

Para Mello o governo poderia avaliar atividades de divulgação por parte dos cientistas da mesma forma que avalia sua atividade acadêmica. Artigos em jornais, em revistas populares e entrevistas seriam itens a se considerar assim como artigos científicos, livros técnicos e participações em congresso são valorizados na carreira de um pesquisador.

“Na nossa carreira de professor universitário são avaliados projetos de ensino, pesquisa e extensão. Seria possível criar uma quarta categoria diferenciando extensão de divulgação científica, dando uma ênfase maior para esta”, acrescenta.

Atualmente, contudo, não é isso o que se observa e manter um blog, por exemplo, não traz retorno algum à carreira de um cientista, explica Mello.

“Na verdade o tempo que eu invisto no blog é um tempo que eu deixo de investir em projeto de pesquisa e em aula. Mas eu gosto de fazer e acho importante”.

PERSPECTIVAS

A pesquisa do CGEE revela que 78,1% da população defende um maior investimento nacional em pesquisa. No caminho contrário, neste ano o país tem enfrentado sérios cortes de verbas ligadas à pesquisa e educação.

Mello acredita que as perspectivas não são boas para a ciência, mas prefere ver o momento de crise como uma oportunidade para repensar a maneira como as pesquisas são financiadas no país.

“Eu acho que cientistas que querem continuar fazendo pesquisas do mesmo modo que antes faziam provavelmente vão ter que recorrer à iniciativa privada nos próximos anos”, sugere.

Ele ressalta que, ao procurar financiamento da iniciativa privada, muda-se a forma como o projeto de pesquisa é apresentado e até mesmo o tipo de pesquisa, se básica, aplicada, de desenvolvimento ou estratégica.

“No financiamento público você pode pesquisar o que quiser desde que seja original e bem delineado. Na iniciativa privada você tem que deixar claro qual o retorno o seu financiador terá. Isso muda a cara da pesquisa que você faz.”

Mello sugere ainda uma segunda alternativa: o financiamento coletivo, ou crowdfunding. Existem plataformas na internet de crowdfunding em que é possível achar financiadores para projetos científicos e, em troca a quem doou o dinheiro, o pesquisador geralmente só precisa mencionar o seu nome nos agradecimentos de projetos, teses ou artigos.

O primeiro projeto de financiamento coletivo aprovado no Brasil visou o sequenciamento do genoma do mexilhão dourado, uma espécie de molusco invasora que tem causado sérios danos a ecossistemas aquáticos no país.

O projeto, que faz parte da pesquisa de doutorado de uma estudante da UFRJ, já rendeu uma publicação em revista científica internacional. Mais informações sobre a pesquisa e o finaciamento coletivo podem ser encontradas neste texto (em inglês).

--

--

Naíla
Ciência com Guaraná

Um amontoado de pensamentos com pouquíssimo sentido