Transgênicos: a comida é segura, a retórica é perigosa

Andre Mazzetto
Ciência Descomplicada
6 min readJun 4, 2017

Ao longo dos anos, as pesquisas sobre a produção de alimentos geneticamente modificados aumentaram de forma dramática. Estes estudos tem levado a conclusões de alto impacto tanto na investigação básica (silenciamento de genes) como na investigação aplicada (culturas geneticamente modificadas), mas a adoção destas culturas no sistema agrícola continua polêmica. As principais questões em aberto estão relacionadas com a segurança do ambiente e dos alimentos para animais e humanos.

Um organismo é geneticamente modificado quando você pega um gene do DNA de uma espécie e coloca em outra espécie. Os organismos que eu vou comentar neste texto são principalmente plantações em fazendas, não peixes que brilham no escuro. Desculpe te decepcionar.

Nós temos modificado as plantações desde o nosso ancestral mais antigo. Aquele troglodita pegava a planta que estava maior e mais bonita e acabava ignorando a menor. Isso é seleção genética pré-histórica. Não há nada de “natural” em plantar. Se fosse possível colocar um milho antigo hoje na sua frente, você não reconheceria. A tranferência de genes também acontece o tempo todo na natureza…aliás, foi assim que surgiu a batata doce. Os genes que não pertencem a ela foram inseridos naturalmente por vírus, sem nenhuma ação de humana.

Prefere a banana do lado esquerdo? Agradeça ao troglodita que fez a seleção deste organismo geneticamente modificado.

É claro que a nossa curiosidade nos fez acelerar um pouco as coisas. Com a evolução das técnicas genéticas, brincar com genes ficou mais fácil. Começou de forma singela: no laboratório, os cientistas pegaram petúnias (sim, as flores) e as criaram para que elas pudessem resistir a um herbicida famoso, o glifosato. Veja bem, se você é uma planta, você deve ter medo do glifosato. Ele é absorvido pelas folhas e deslocado para os principais pontos de crescimento, onde começa a inibição.

Qual foi a idéia dos cientistas então? Pegar o gene resistente ao glifosato da petúnia e colocar na soja. Assim o herbicida não matará a soja, mas matará as ervas daninhas que crescem ao redor e reduzem a produtividade da cultura. A coisa foi ficando mais engenhosa. Hoje é utilizado o gene de uma bactéria comum no solo, Bacillus thuringiensis, conhecida carinhosamente como BT. Este gene codifica uma proteína que é tóxica para a lagarta que come a soja. Voilá: um inseticida dentro da planta.

Muitas pessoas ficam nervosas quando ouvem notícias sobre organismos geneticamente modificados (OGM). Isso é natural. Eu acho ótimo ser cético, e sempre digo que todos devemos ser. Nós não temos certeza do que estamos colocando na natureza e o que vai acontecer com o ecossistema.

Os cientistas já fizeram besteiras no passado. Houve situações onde achávamos que algumas coisas eram seguras e acabaram não sendo, como a talidomida, por exemplo. No entanto, há também esta percepção generalizada de que os cientistas não podem criar algo novo, porque, sabe como é, pode ser o início de um apocalipse zumbi.

Você, depois de comer um pastel de milho na feira

Como resolver este impasse? O melhor jeito é fazer uma pesquisa extensiva em artigos científicos publicados. Veja bem, não falei pra você colocar no Google. Lá você vai cair em sites que só falam bem ou mal, destruindo apenas um lado do assunto e enaltecendo o outro. Falei pra ler artigos científicos. Eu sei…é chato, é em inglês e cientistas sempre são meio esquisitos e escrevem de forma estranha. É por isso que eu li estes artigos pra você, principalmente as revisões (2013, 2014, 2016) e uma meta-análise (2014). No total, estes artigos citam mais de 2.000 referências.

Depois desta pesquisa eu formei minha própria opinião sobre os OGMs: acho que as vantagens são melhores que as desvantagens, e que eles são uma ferramenta que pode ser utilizada. Se você acha o contrário, sem problemas! Leia até o fim e comente depois. Como eu sempre digo: eu estou disposto a ser convencido do contrário. Você também está?

Vamos então aos principais pontos!

Os problemas e as vantagens

OGMs não são a solução para o mundo. Há muito exagero sobre “alimentar o mundo” com uma produção maior e “combater a desnutrição” porque eles seriam mais nutritivos. Não é bem assim que funciona.

Uma das maiores críticas ao OGMs é que eles reduzem a biodiversidade. Entre os organismos ameaçados mais citados estão as abelhas e as borboletas-monarca. De fato, nos últimos anos as populações destes organismos diminuíram, mas estão voltando ao nível normal. Os dados obtidos até agora não são definitivos para apoiar a conclusão de que os OGMs são prejudiciais. São necessários mais estudos de longo prazo, já que o ambiente responde de forma lenta. Um decréscimo (ou mesmo um aumento) na população de borboletas e abelhas em um ou dois anos pode ser devido a outras condições que não a presença de OGMs, como a influência do clima, escassez de recursos, entre outros.

Uma das vantagens dos OGMs é o menor uso de herbicidas, inseticidas e vários outros “cidas (sufixo que varia do grego matar). Como as plantas agora já possuem os genes de resistência, não é necessária uma estratégia como esta. Alguns estudos observaram que populações de plantas silvestres frequentemente sofrem mutação e tornam-se resistentes a herbicidas. Neste momento elas se tornam praticamente iguais aos OGMs…a única diferença é que a resistência foi obtida por forma de uma mutação natural, o que chamamos carinhosamente de evolução.

Outro ponto criticado é a questão da monocultura, que teria como consequência a perda de biodiversidade. Isso pode sim influenciar, mas independente se é plantado um OGM ou uma semente “natural”, a monocultura é a mesma. O problema aí não está no fato de uma semente ser geneticamente modificada, mas sim na monocultura em si. Uma possível solução seria rotacionar as culturas, modificando sempre o que é plantado e renovando o solo. Neste caso, os OGMs podem ajudar, já que ajudam a diminuir o uso de herbicidas e pesticidas.

Nos últimos 20 anos a produtividade das colheitas aumentou, devido a um bom manejo do solo, seleção de plantas, tratamento das sementes, fertilizantes melhores e…OGMs. O uso de organismos geneticamente modificados aumentou a produção em 22% e o lucro dos produtores em 68%. Isso se deve a maior produção e ao menor uso de insumo (os “cidas” do parágrafo ali em cima).

Diminuir o uso de “cidas” não é bom?

Lembra do medo você virar um zumbi e sair atrás de cérebros depois de comer um milho geneticamente modificado? Até agora os estudos mostram que os OGMs não representam uma ameaça para a saúde humana e são tão seguros quanto os alimentos convencionais ou orgânicos. Testes nos nossos amigos roedores mostram que não há perigo.

Vale mesmo a pena?

As plantações geneticamente modificadas mais comuns são milho, soja, algodão e canola. Temos que considerar também a questão cultural. Na China, por exemplo, 100% do algodão é geneticamente modificado. Você não come algodão (algodão-doce é açúcar crianças…), então tudo bem! No entanto, lá tanto o arroz quanto o milho não são geneticamente modificados. Os chineses não confiam comer OGMs, mas não há problemas em dormir em um lençol de algodão geneticamente modificado. No México o milho é quase sagrado, e eles ficam nervosos só de ouvir falar em milho híbrido, imagine com genes adicionados. É uma questão histórica que deve ser respeitada, que data lá do tempo dos Maias, Astecas e Incas.

Sabe uma possibilidade legal da engenharia genética que não é muito explorada? A de-extinção, ou seja, trazer algum organismo (seja planta ou animal) que já foi extinto de volta à vida, no melhor estilo “Parque dos Dinossauros”. Para isso é necessário mais do que um mosquito preservado no âmbar. É um processo complicado e para isso precisamos de um banco de genes do organismo-alvo.

Além disso, os OGMs estão presentes há mais de 20 anos. O primeiro foi criado para a produção de insulina humana, que salva milhares de pessoas no mundo todo ano. A maioria dos remédios que você compra na farmácia são, na verdade, fruto de OGMs.

Todas as tecnologias estão associadas a riscos e benefícios. Como eu disse lá em cima, OGMs são apenas mais uma das ferramentas. Uma melhoria na eficácia da comunicação científica para as partes interessadas poderia ter um impacto significativo sobre o futuro deste tema, tão importante atualmente.

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Andre Mazzetto
Ciência Descomplicada

Biólogo, um cientista que não é movido a café. Entusiasta da Ciência e da Educação. Editor e autor do blog Ciência Descomplicada.