Práticas da psicologia jurídica no Amazonas

Cartas do Litoral
Palavras em Movimento
6 min readOct 17, 2014

4 perguntas para Maikon Andrade de Oliveira

Maikon de Oliveira é psicólogo no Tribunal de Justiça do Amazonas, tendo obtido a graduação na Universidade de Londrina (UEL) em 2010.

Ele é também pós-graduado em Psicanálise, trabalhando no serviço público nas áreas de Saúde Básica em Londrina, entre 2011 e 2012 (NASF), e Assistência Social com medidas socioeducativas em meio aberto e medidas de proteção em Ibiporã, entre 2012 e 2013 (CREAS).

A seguir ele nos apresenta as linhas gerais de seu trabalho atual no campo da Psicologia Jurídica:

Aqui somos responsáveis pelo atendimento de todos os processos referentes às áreas de Adoção, Medidas de Proteção, Suprimento para Casamento, Guarda e Tutela, Providências, e tudo que se refira a crianças em situação de risco. De fato, nosso grande tema é garantir o direito fundamental à Convivência Familiar e Comunitária.

Assim, no Tribunal de Justiça, temos psicólogos em outros setores que ficam responsáveis por tratar de questões relacionadas ao seguintes campos: Direito de Família; Violência contra a Criança, Adolescente e Idoso; Lei Maria da Penha; Ato Infracional; Execução de Medidas e Penas Alternativas; Execução Penal; Atendimento aos servidores; Psicologia Organizacional; Conciliação das Varas de Família e Coordenação da Infância e Juventude.

No nosso setor, o Juizado da Infância e Juventude Cível, somos uma equipe interprofissional que fica à disposição do Juízo, composta por dois psicólogos, sendo um gerente psicossocial de Psicologia, e quatro assistentes sociais, sendo um gerente psicossocial de Serviço Social. Os trabalhos aqui estão muito voltados para a área de estudo psicossocial para processos de adoção e medidas de proteção, nossos principais processos. Trabalhamos em jornada de seis horas diárias. Nossos atendimentos acabam por ser bastante circunscritos a atendimentos no próprio prédio do TJ, ficando a cargo do Serviço Social realizar sindicância social nos lares das partes dos processos.

Em média, atuo em cerca de 40 processos/mês, considerando seu atendimento, acompanhamento e conclusão, contudo há muitas situações de faltas aos atendimentos agendados […]. [Dessa forma,]consigo concluir entre oito e dez processos/mês.

Aqui trabalhamos em todos os processos de adoção desde seu início, com orientação para audiência de consentimento (em ações de Adoção concomitante com Destituição do Poder Familiar; oitivas de adolescentes que poderão ser colocados em família substituta; pais interessados em entregar os filhos à Justiça através do Projeto Acolhendo Vidas. Esse projeto é voltado a gestantes que não desejam assumir seus filhos [e cogitam] entregá-los à adoção), avaliação da criança, dos requerentes e requeridos, estágio de convivência e produção de relatório.

Com relação aos processos de medidas de proteção buscamos avaliar a dinâmica familiar visando sanar as dificuldades que provocaram o processo judicial, visando [igualmente] solucionar as questões que levaram ao abrigamento e [realizamos] trabalhos de orientação aos pais e acompanhamentos das crianças e adolescentes.

Nos processos de Medida de Proteção à Criança e ao Adolescente realizamos a oitiva das crianças e adolescentes, dos requeridos, do núcleo familiar e buscamos fortalecer o núcleo familiar e rede de apoio social, especialmente familiares, para minimizar as chances de reincidência de situação de risco às crianças e adolescentes.

De modo geral, temos recebido processos de todas as ordens do campo da Justiça da Infância e Juventude Cível (colocação em família substituta, suprimento para casamento, medidas de proteção, habilitação à adoção). Praticamente todos os posicionamentos técnicos ao Juízo são realizados por meio de Relatório Psicológico, o que demanda um tempo razoável para sua confecção.

Para realizar nosso trabalho nos processos de adoção temos o apoio de um grupo para pais adotivos (GAPAM Manaus), que possui parceria com o TJAM.

Parte da conversa que tive com Maikon de Oliveira por e-mail acerca do trabalho que ele realiza está registrada a seguir:

  • Há quanto tempo você está no TJAM e qual tem sido o maior aprendizado no campo da Psicologia Jurídica que essa experiência propiciou?

Iniciei meus trabalhos aqui no TJAM no fim do mês de janeiro deste ano, portanto, aproximadamente há sete meses e meio. O meu maior aprendizado no campo da Psicologia Jurídica com essa experiência tem sido, sobretudo, o trabalho do psicólogo nos casos de Adoção, aqui englobadas todas as suas possibilidades (habilitação à adoção, moparental, conjunta, unilateral, adoção concomitante destituição do poder familiar, adoção por parentes, adoção internacional, destituição do poder familiar).

Neste trabalho tenho buscado me especializar em realizar uma escuta qualificada em relação às motivações que levam os sujeitos […] à adoção; estabelecer uma metodologia adequada e definir quesitos essenciais para dar subsídios ao Juízo para tratar da questão; [além de] tecer documentos escritos que tenham adequada estruturação e fundamentação conforme a Resolução CFP 007/2003.

  • Qual o tipo de processo que demanda maior quantidade de trabalho para a equipe e quais as maiores dificuldades da atuação neles?

Em minha experiência, duas modalidades de processos implicam grande quantidade de trabalho: adoção concomitante [à] destituição do poder familiar e medidas de proteção, em se tratando de violência intrafamiliar. A primeira em razão de que existe uma cultura arraigada dentro do Estado do Amazonas de pessoas, principalmente por condições socioeconômicas, entregarem seus filhos a terceiros […], isto tanto a nível familiar quanto extrafamiliar.

No entanto, tais pessoas entregam seus filhos não à adoção, isto é, não desejam romper seus vínculos paternofiliais com os filhos. Elas gostariam que aqueles a quem confiaram os filhos fossem guardiães […], ainda que muitas vezes desconheçam a função desta modalidade de colocação em família substituta […].

Normalmente, este processo está consolidado e é preciso muito cuidado para não se produzir danos à criança, modificando-a de lar apressadamente.

Quantos aos processos de medida de proteção quando de violência intrafamiliar, a problemática se instala devido ao fato de que precisamos avançar na defesa dos direitos e proteção das mulheres, que muitas vezes foram vítimas antes que as crianças fossem vitimizadas. Há uma história de reprodução do vivido familiar […].

  • Quais são as rotinas para o atendimento dos casos relativos à adoção e à violência contra crianças e adolescentes?

Para a adoção existem duas linhas de trabalho:

1) CPA: habilitação à adoção, com estudo psicossocial, verificação das documentações exigidas por lei, participação no grupo de apoio GAPAM; visita aos abrigos para conhecer a realidade das crianças e incentivar a adoção de crianças com diversos perfis; identificação de perfis e conhecimento da criança; estágio de convivência, com acompanhamento psicossocial e elaboração de relatório; adoção (sentença).

2) Adoção c/c Destituição: acatado o pedido, o processo nos é encaminhado para atendimento aos requeridos e crianças e adolescentes, respeitado o estágio de desenvolvimento, para orientação para audiência de consentimento (obrigatória a adolescentes e genitores), com elaboração de relatório; avaliação dos requerentes e do estágio de convivência, com elaboração de relatório.

Para as medidas de proteção em geral: recebida a denúncia é encaminhado o processo ao setor técnico para estudo onde se busca lidar com a situação em dois níveis:

1) imediato: buscar a segurança da criança/adolescente;

2) mediato: análise, compreensão e acompanhamento do processo.

  • Como o trabalho é distribuído ou compartilhado entre psicólogos e assistentes sociais?

O trabalho entre psicólogos e assistentes sociais ocorre com muito respeito à opinião dos campos de saber, não havendo distribuição do trabalho. Somos parte da equipe interprofissional, mas operamos como setores distintos, cada qual com sua autonomia e metodologia próprias, cada qual sendo responsável por elaborar o próprio estudo e relatório.

Não há divisão por temas, mas há divisão dos processos dentro de cada Setor. Utilizamos um sistema informatizado que possui uma fila do Setor de Psicologia e uma fila do Setor de Serviço Social. [Nesse sistema] a gerente psicossocial possui a função de distribuir os processos entre os profissionais.

As intervenções são ora conjuntas, ora sucessivas, sem um padrão de ação definido, até o momento.

Apropriamo-nos das intervenções realizadas por meio de discussão de casos, de leitura dos autos e dos relatórios, tudo com muito respeito e companheirismo.

Aqui, felizmente, temos um compromisso mútuo bastante presente, o que facilita em muito o trabalho.

Acredito não ser possível definir o trabalho de modo tão estático. Penso que temos momentos multidisciplinares, momentos interdisciplinares e, às vezes, alçamos processos de transdisciplinaridade. O entrave está que estas ocorrências se dão no dia-a-dia, sem uma sistematização de elaboração dos conteúdos […] e reflexão teórica. [JCC]

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