Material de suporte para a participação de crianças vítimas e testemunhas em audiências judiciais

Cartas do Litoral
Palavras em Movimento
3 min readMay 23, 2022

O sítio eletrônico do Office for Victims of Crime, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, apresenta material de apoio para a abordagem de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crime que estejam em vias de passar por procedimentos judiciais. Esse material também é voltado para profissionais e familiares.

Independentemente da avaliação específica sobre o conteúdo do material, sua existência sugere o quanto se deve avançar nas práticas e pesquisas sobre o tema, em particular no Brasil.

A amplitude de questões relacionadas expressam-se de modo agudo nas discussões relativas ao depoimento especial, mas não somente ali. Revitimização, vitimização secundária, testemunho, violência são alguns dos conceitos que são mobilizados na abordagem de crianças e adolescentes em qualquer procedimento no qual estejam participando. Nosso posicionamento frente a eles desenha as vias pelas quais a experiência do atendimento é apreendida, desdobrando-se nos modos pelos quais o sistema judicial, a polícia e os demais segmentos acolhem aqueles personagens. Os efeitos das práticas institucionais com crianças e adolescentes vítimas e testemunhas permanece campo de investigações e disputas que devem ser retomadas sistematicamente.

Não é por acaso que Tilman Fürniss enfatiza a importância da articulação entre os diferentes serviços que atendem crianças vítimas de violência sexual. Ele argumenta a favor de um tempo oportuno para as intervenções, que parte de algumas premissas: a separação entre o que é da esfera da saúde, da psicologia e o que é policial, judicial; o esclarecimento sobre como lidar com a crise vivenciada por profissionais diante de caso de possível violência sexual contra criança, quando se tenderá a querer resolver tudo rapidamente, sem atentar para a importância de agir com método; o reconhecimento da pessoa de confiança, aquela para quem a criança terá em primeiro lugar mencionado algo da suposta situação vivenciada. Desse modo, o sucesso, segundo Fürniss, será decorrente de dois fatores: grau de conhecimento dos fatos e grau de coordenação entre as diferentes intervenções necessárias.

Deve ser sublinhado que o depoimento judicial de crianças e adolescentes conta com ampla visibilidade no exterior, sendo objeto de matérias jornalísticas recorrentes. Essa visibilidade advém do aumento de participações de crianças em audiências e da constatação de que há falhas graves nos procedimentos adotados. Parte dessas falhas foi resumida pelo jornal britânico The Guardian:

as crianças enfrentam problemas significativos quando testemunham em juízo. O problema-chave . . . é a falta de apoio consistente, de efetivo gerenciamento das fases de pré-julgamento e julgamento propriamente dito, bem como do controle de questionamentos desleais.

A Inglaterra é apontada por Fürniss como referência positiva em práticas relacionadas à intervenção em casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Diferentes autores apontam para o mesmo país, indicando que as reformas realizadas ou propostas ali devem ser cuidadosamente estudadas. Essas práticas e diretrizes estão consolidadas no Achieving Best Evidence in Criminal Proceedings: Guidance on Interviewing Victims and Witnesses, and Guidance on Using Special Measures.

O Achieving Best Evidence apresenta definições e orientações e é divulgado pelo The Crown Prosecution Service, principal órgão de acusação em processos criminais na Inglaterra e no País de Gales. Ele é assinado por representantes do Ministério da Justiça e outros ligados à assistência social e à infância. O documento enfatiza a importância do planejamento e da preparação da criança e do adolescente para as entrevistas no espaço judicial, o que pode ocorrer imediatamente antes da audiência ou durar tempo indeterminado; o cuidado em definir conceitos e noções; o estabelecimento de um sistema de avaliação consistente; a responsabilidade dos entrevistadores quanto a garantir que o depoente esteja participando livremente do procedimento; o uso da pessoa de apoio, denominada court witness supporter; e a eventual utilização do victim impact statement, denominado victim personal statement.

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