A origem do “Bruxo do Cosme Velho”

O organizador da coleção Clássicos Anotados, conta a história da origem do mais famoso apelido da literatura brasileira.

Obliq Livros
Clássicos Anotados
3 min readOct 14, 2021

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Primeiro registro do apelido ‘Bruxo do Cosme Velho’, no livro ‘Letras da Província’ (1944) I Divulgação

Por Cláudio Soares *

Certos apelidos ficaram famosos na literatura brasileira: o “Príncipe dos Poetas” era Olavo Bilac; a “Hermética”, Clarice Lispector; o “Poeta Menor”, Manuel Bandeira; o “Poetinha”, Vinicius de Moraes; e o “Boca do Inferno”, Gregório de Matos.

Machado de Assis recebeu o mais célebre desses epítetos, o “Bruxo do Cosme Velho”, sendo Carlos Drummond de Andrade, o “Gauche”, apontado frequentemente como seu inventor.

Trata-se, no entanto, de um equívoco que acabou se popularizando e até hoje é repetido.

“Devo reconhecer (…) que não me cabe a paternidade da apelação ‘bruxo do Cosme Velho’, dada a Machado de Assis”, confessou o poeta mineiro na crônica de 11 de setembro de 1964, no Correio da Manhã. Era uma resposta à referência que, meses antes, o acadêmico Alceu Amoroso Lima lhe fizera no discurso de saudação a Gilberto Amado na Academia Brasileira de Letras: “Mas de um despojamento diverso, igualmente, do empregado pelo ‘bruxo do Cosme Velho’, como o denominou Carlos Drummond de Andrade no seu poema imortal”.

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No entanto, antes de Drummond, o poeta gaúcho Augusto Meyer já havia usado o tal apelido, mas também não era o criador do epíteto. Ao ser consultado por Drummond, Meyer lhe contou que outro gaúcho, o crítico literário Moysés Vellinho, em “um momento de inspiração”, já o tinha registrado em um “antigo ensaio integrado em livro”.

O livro era Letras da província, lançado pela Livraria do Globo, de Porto Alegre, em 1944. Na p. 46, o crítico comenta (sobre o próprio Augusto Meyer, um “machadiano” ferrenho):

“Convicções novas rondavam-lhe o espírito, impondo-lhe o dever de penitenciar-se de um pecado tão grave quanto fora grande a delícia que nele sentira — o pecado de haver mergulhado os sentidos e o pensamento nos perigosos filtros que o bruxo do Cosme Velho sabia propinar com arte sorrateira e amável.”

O crítico literário Moysés Vellinho I Reprodução

Daí, pois, é justo que se reconheça: a Vellinho o que é de Vellinho.

Ainda assim, não se pode negar que o apelido só se popularizou com a publicação do poema de Drummond “A um bruxo com amor”, em 28 de setembro de 1958, no Correio da Manhã, e republicado depois, com alterações, no livro Poemas, de 1959.

Trecho “A um bruxo, com amor”, poema de Carlos Drummond de Andrade | Fundação Biblioteca Nacional

Curiosamente, no poema não aparece a expressão “bruxo do Cosme Velho”, apenas as palavras “bruxo” e “Cosme Velho” em versos separados.

Por fim, vale um outro reconhecimento: o primeiro a divulgar o apelido na imprensa foi o jornalista alagoano Valdemar Cavalcanti, em pelo menos três ocasiões, na coluna literária de O Jornal, nos últimos meses de 1958.

A partir daí, o “Bruxo do Cosme Velho” passou a se confundir com o nome de Machado de Assis.

(*) Organizador da coleção Clássicos Anotados, da Obliq Livros.

Este artigo foi publicado originalmente no BdF RJ em 29/09/2021.

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