Artesanato gerou R$ 505 milhões em salários no Brasil

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5 min readMar 24, 2016

Por Elizete Ignácio

Na terça-feira (22 ) foi inaugurado o Centro de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB), iniciativa do Sebrae RJ. Situado na Praça Tiradentes, o espaço vem se juntar a outros dois conhecidos centros de pesquisa sobre o artesanato na cidade do Rio, o Museu do Folclore Edison Carneiro e o Museu Casa do Pontal. Para celebrar a chegada deste mais novo espaço, vamos publicar uma reflexão sobre o artesanato e suas características culturais, sociais e econômicas. Vamos a ela:

O produto artesanal é mais conhecido quando colocado em oposição ao produto industrializado. No entanto, esta é uma forma superficial de entender os processos que levam à materialização em objetos de diversos aspectos da vida cotidiana de seus produtores. Enquanto produto voltado para a geração de renda, o artesanato envolve processos e práticas que tornam o artesão e o consumidor cúmplices no desejo de preservação e exibição da produção artesanal. Por menos sensível que seja o olhar do consumidor, seu encantamento com o produto se dá pela sensação de que aquele objeto é único e exclusivo. Por mais pragmático que seja o artesão, sua motivação não se resume ao desejo de gerar renda, pois ele busca colocar algo de si para o outro.

Na geração de renda, o artesanato é um negócio diferente de uma empresa ou indústria. Na indústria a escala produtiva preconiza o maior volume de produção no menor tempo possível, com uma das formas possíveis para diminuição de custos e geração de renda. Já nos negócios que envolvem produção artesanal, há a questão da particularidade do produto desenvolvido e também o fato dessa atividade se caracterizar por sua informalidade e por envolver membros da família ou da comunidade que, na maioria das vezes, não têm registros formais.

No Brasil, em que há forte presença de pequenas e médias empresas e empreendedores individuais, duas fontes de dados oficiais nos ajudam a perceber a importância do artesanato como forma de geração de renda. De acordo com os dados do Portal do Empreendedor, são 99.303 empreendedores cadastrados nas categorias da CNAE referentes ao fazer artesanal [1]. De acordo com o Mapeamento da Economia Criativa da Firjan, em 2013 havia 38.944 artesãos registrados com carteira assinada no Brasil, com um salário médio de R$ 1.080,00 mensais [2], o que resultaria em uma massa salarial de R$ 42 milhões ao mês, ou R$ 505 milhões em 2013 (considerando apenas empregados com carteira assinada).

Em linguagem antropológica, dizemos que o artesanato é totalizante. Na linguagem comum podemos dizer que é difícil separar o artesanato do processo artesanal e dos contextos sociais, culturais e econômicos nos quais ele se origina. Isso porque o artesanato está presente em todos os aspectos da vida de seus produtores, destacando suas singularidades e expressando suas universalidades.

Tal atividade pode assumir características diversas: ser fruto do saber tradicional e/ou da elaboração estética do design; ser objeto de adoração religiosa ou representatividade do profano nosso de cada dia, ilustrar festas ou destacar cores e sabores da comida brasileira. Nesse sentido, é muito mais coerente então falarmos de artesanatos brasileiros.

Podemos dividir este caráter total do artesanato em alguns aspectos, que podem ou não estar presentes nos processos de produção artesanais:

» A inserção no cotidiano: os artesãos nem sempre se dão conta da maestria que dominam, pois a produção artesanal é tão parte de sua vida quanto comer, beber, dormir. Mesmo quando pensados como formas de geração de renda (a perspectiva mais pragmática), os momentos de produção artesanal se confundem com os momentos de lazer, de cuidados com familiares, de festas, de cultos e ritos religiosos, de interação com vizinhos e amigos… Os artesanatos trazem consigo a marca do dia a dia e do ordinário de seus produtores, de suas formas de interação e sociabilidades.

» Transmissão de saberes: o conhecimento sobre as técnicas de qualquer processo artesanal são, na maioria das vezes, coisa de mestres! Não necessariamente os mestres escolares, mas aqueles que dominam as técnicas e repassam estes conhecimentos através de uma pedagogia da observação: gerações mais novas auxiliam as gerações mais velhas, aprendendo no dia a dia os segredos dos ofícios. Os artesanatos escondem conhecimentos e segredos, às vezes muito simples, mas sempre encantadores.

» A valorização do estético: tanto os produtos artesanais mais comuns e cotidianos (os paninhos de prato cerzidos pelas avós) quanto aqueles que se tornam únicos e exclusivos (como os móveis de decoração produzidos por designers) têm em comum o apelo ao estético e a intenção da beleza. Não se trata de elevar um produto em relação aos outros, mas de entender produtos diferentes com a mesma intenção e um processo criativo semelhante. Os artesanatos são belos pelo que têm do artesão, do processo manual, da criação intelectual, e não pelo que deixam de ser.

» Despretensão do processo: o processo de produção artesanal é um saber que se oculta atrás de todas as suas formas de materialização. Percebemos o bordado, a pintura, o carro alegórico, o objeto ou evento, mas desconhecemos como o artesão usa a técnica e a criatividade para dar origem a um produto que é fruto de um processo ao mesmo tempo manual e intelectual.

A chegada de um novo espaço de valorização do artesanato brasileiro reforça esta área da economia criativa que tende a ser deixada de lado frente aos outros segmentos, especialmente no Rio de Janeiro onde o fazer artesanal tende a ficar restrito aos bastidores do carnaval. O CRAB se propõe a ser um centro de referência na produção intelectual sobre, para e com os artesãos. Vale a pena visitar, ver, ouvir e valorizar o melhor do nosso artesanato!

Notas

* Elizete Ignácio é antropóloga, fundadora e diretora executiva da Clave de Fá Pesquisas e Projetos. Já atuou em mais de 40 projetos de impacto social positivo, entre eles o projeto PROMOART de valorização do artesanato de tradição cultural, gerido pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular.

[1] Classificações observadas (CNAES): 1359–6/00; 1529–7/00; 1629–3/01; 1629–3/02; 1749–4/00; 2219–6/00; 2229–3/99; 2319–2/00; 2330–3/99; 2349–4/99; 2391–5/03; 2599–3/99; 3211–6/02; 3299–0/99; de acordo com dados do Portal do Empreendedor, consulta em 23/03/2016.

[2] Considera as ocupações de Artesão e Artesão Modelador de Vidro, Confeccionador de brinquedos de panos, Confeccionador de móveis de vime, junco e bambu, Decorador de cerâmica, Artesão de metais preciosos e semi-preciosos, Bordador à mão, Trabalhadores artesanais da confecção de calçados e artefatos de couros e peles, Trabalhadores de tecelagem manual, tricô, crochê, rendas e afins; informadas ao sistema CAGED em 2013. Consulta em 23/03/2016. Organização e cálculo: Clave de Fá, com base nos dados do Mapeamento de Economia Criativa da Firjan para 2013.

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