Economia circular e upcycling à moda Brasil
*Elizete Ignácio e Flávia Domingues
Introduzir práticas sustentáveis, desde a produção ao consumo, tem sido uma constante na cadeia produtiva da moda e vem ganhando cada vez mais força com o crescimento da economia circular (processo no qual os produtos já são pensados para serem social e ambientalmente responsáveis desde a fábrica até o reuso ou descarte). Assim, ganham destaque as iniciativas desenvolvidas por pequenas indústrias e ateliês de moda que estão apostando em novas formas de produção que não gerem resíduos (ou os reduzam a zero), utilizando de maneira racional e inteligente os recursos naturais.
Observamos que a moda ética alça voo e passou de uma simples tendência para um comportamento e também uma vantagem competitiva no setor de moda. Um exemplo dessa mudança de mentalidade é a Hi-Tech Química, especializada na fabricação de produtos químicos e equipamentos para lavanderias e beneficiamento têxtil. Recentemente, a Clave de Fá organizou uma visita com um grupo de empresas envolvidas no Prêmio V.I.É.S Moda -, que incentiva atitudes éticas e projetos inovadores na moda carioca -, ao parque industrial que fica em Levy Gasparian, interior do Rio de Janeiro. A visita é parte da estratégia da Clave de Fá para gerar conhecimento e desenhar soluções inovadoras para seus clientes e parceiros, neste caso, o Instituto EixoRio, da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Menos impacto ao meio ambiente
Chamou a atenção ter no Estado uma empresa com o DNA voltado para a sustentabilidade pra si e que gera impactos positivos na cadeia produtiva da moda. Apesar do negócio principal ser a fabricação do produto químico e de equipamentos, a Hi-Tech desenvolve todo o processo produtivo até chegar ao produto final, a química, que será aplicada principalmente em denin/jeans. A empresa conta com um laboratório completo, inclusive com uma estrutura de lavanderia piloto, que cria e testa todas as possibilidades na criação de efeitos, aplicação em peças e coleções.
O olhar para o mercado de lavanderias fez com que a empresa investisse em alternativas para toda a cadeia, auxiliando na redução de custos, tempo e impactos ao meio ambiente. Uma das soluções desenhadas é uma linha de produtos biossustentáveis que otimiza processos de lavanderia em várias etapas, melhorando a qualidade do beneficiamento.
Os equipamentos de alta tecnologia — como máquinas de impressão e marcação a lazer, além de maquinários de geração e injeção de ozônio, aliados aos produtos biossustentáveis –, também reduzem em até 82% o consumo de água, 34% na energia e em até 79% de tempo para a realização de todo o processo.
A postura de pensar os produtos antes mesmo deles serem descartados é um dos grandes diferenciais da economia circular, modelo que ganha força nas cadeias produtivas do País e aposta na mentalidade de que não é somente pensar na reciclagem ou no descarte do produto, mas sim que o design inicial do produto que já deve ser projetado levando-se em conta o que vai acontecer com ele quando perder seu valor de uso. A Hi-Tech segue essa linha criando soluções que tornam o processo produtivo das lavanderias mais competitivo em termos de custos operacionais e, ao mesmo tempo, sustentáveis.
Ações de upcycling
Uma das empresas que participou da visita foi a Mig Jeans, marca carioca de moda jeans que tem apostado no upcyncling do jeans para conquistar consumidores cada vez mais antenados com a tendência da economia circular.
A marca foi a vencedora na categoria Voto Popular do Prêmio Rio V.I.E.S Moda 2015 — Ano Gil Brandão e ganhou uma pesquisa de mercado realizada pela Clave de Fá, na qual ficou claro porque a marca venceu nesta categoria: seu propósito aliado aos produtos bem acabados fazem sucesso entre consumidores, mesmo aqueles que não conhecem os conceitos de upcycling, reuso e descarte. Os não consumidores da Mig Jeans identificaram seu diferencial quando apresentados aos produtos e ao site na pesquisa de UX.
A pesquisa mostrou que há uma preocupação clara dos consumidores com a questão ambiental e o desafio das marcas será aliar qualidade, responsabilidade ambiental e preço (é, os consumidores não estão assim tão dispostos a pagar pelos produtos ambientalmente responsáveis).
Esta, porém, não e uma má notícia, como mostram os processos da Hi-Tech e da Mig Jeans. A produção ambientalmente sustentável também é financeiramente viável, pois implica justo na redução dos desperdícios gerados nos processos produtivos.
Além disto, a economia circular é um conceito que já se configura como prática e se alia à visão do “lowsumerism” e do “slow fashion”, praticados pelos consumidores. Não são tendências da moda, são novas formas de produção e consumo que vêm para ficar, como apontado no seminário Ação Ambiental realizado pela área de Meio Ambiente da Firjan em junho.
No seminário, micro empresas como a Mig Jeans e grandes empresas como a Michelin falaram sobre suas estratégias na economia circular. Durante o seminário ficou claro como as empresas do futuro são aquelas que estão pensando o futuro agora, e especialmente se dedicando a pensar a relação entre produção, distribuição e comercialização com os impactos ambientais e sociais (leia nosso artigo sobre o investimento social privado e seus impactos na visão de futuro das empresas).
Na Clave de Fá estamos de olho nestas novas práticas, divulgando estas iniciativas e buscando formas de colaborar com elas. Conhece alguma iniciativa interessante na economia circular? Escreva para a gente.
Participaram da visita ao parque industrial da Hi-Techn Química, as empresas vencedoras do Prêmio V.I.É.S Moda (2015) Pipa Social e Mig Jeans, o Instituto Eixo Rio, FIRJAN, a consultoria Ciclo Ambiental e a EFE+ Comunicação.
- Elizete Ignácio é antropóloga, fundadora e diretora executiva da Clave de Fá Pesquisas e Projetos. Já atuou em mais de 40 projetos de impacto social positivo, entre eles o desenho de metodologias de avaliação qualitativa e quantitativa de projetos de impacto positivo.
- Flávia Domingues é jornalista, fundadora e diretora da EFE+ Comunicação. Atua em projetos de comunicação voltados para organizações sociais e de empresas de economia criativa.
