Trabalho a distância é bom para todos
[Esse post foi publicado originalmente em 20/01/2016, e foi editado durante a transcrição para cá. Então ele é “meio antigo, meio novo”. ;-]
Lembro-me bem da manhã de primeiro de dezembro de 2015*. O sol começava, ainda meio acanhado, a varrer a neblina curitibana, enquanto eu, pela quinquagésima vez, virava a chave, empurrava o portão e ouvia, pela quinquagésima vez em mais de dois anos, o mesmo rangido do velho portão que já fora branco.
[* Não lembro, não. É só para efeito dramático e matemático, mesmo…]
Era 07:40 da manhã, e já quinhentas vezes eu havia caminhado aquele breve trecho até o ponto de ônibus. Quinhentas vezes eu havia entrado em um deles para ir até o terminal. Quinhentas vezes fiquei esperando o “expresso” (uma linha específica de ônibus de Curitiba). Quinhentas vezes andei nessa linha. Quinhentas vezes caminhei até “a firma”. Quinhentas vezes bati o cartão, deixei minhas coisas na minha baia, “acordei” o computador, fui até o banheiro tomar um “banho de torneira” (e me enxuguei com toalhas de papel), preparei um café e fui sentar-me para trabalhar.
O tempo desde abrir o portão do condomínio até sentar na cadeira e começar o dia de trabalho era, em média, uma hora. E desde pegar minhas coisas para sair e entrar pelo mesmo portão era, novamente, uma hora.
Vezes quinhentos.
Mil horas da minha vida praticamente jogadas no lixo. 41 dias inteiros desperdiçados. 125 jornadas de trabalho. E para quê? Para sentar na frente de um computador e fazer o que eu poderia, muito bem, fazer no conforto do meu lar.
Até as reuniões! Pouquíssimas delas exigiriam, de fato, presença física.
Não é uma loucura? A meu ver, é. E, por isso, vou dar alguns motivos pelos quais trabalhar sem a obrigatoriedade da presença física em algum local específico (como “a firma”) é bom para todos.
É bom para a empresa
Sua empresa tem 50 funcionários? Em Curitiba, você vai pagar uns 5.000 reais de aluguel, no mínimo, para ter um escritório em um lugar decente. Mais água, “luz” e telefone/internet. E inclua na “luz” o ar condicionado gigante funcionando por um bom tempo. Mais o salário da equipe de infraestrutura, que garante que a rede está funcionando, assim como toda a maquinaria envolvida. Mais a empresa de limpeza.
Se o funcionário se acidenta a caminho do trabalho, a empresa acaba pagando. Ou seja: para cada funcionário, a empresa corre pelo menos duas horas de risco “gratuito” por dia (pois, embora acidentes dentro da “firma” também sejam acidentes de trabalho, pelo menos a pessoa estava no meio das atividades para as quais ela é paga. No caminho, a pessoa estava meramente se locomovendo).
Em números: se a jornada é de 8 horas por dia, tendo 1 hora de almoço e 2 de locomoção, a empresa tem “risco gratuito” 27% do tempo (3 horas em 11) para cada funcionário. É quase um terço do tempo todo!
Somemos também o risco de cada uma das 50 estações de trabalho (os computadores de cada um) estragar. Sim, “estragar”, mesmo, como quando a energia elétrica falha e o computador não liga mais, seja qual for o motivo. (Sim, no trabalho remoto também há esse risco, mas pelo menos ele é distribuído: dificilmente uma pane elétrica atingirá todos os equipamentos dos funcionários que trabalham remotamente.)
E o custo do “setup” do ambiente todo: cadeiras, mesas, computadores, acessórios, cabos de rede, rack para o servidor, switches, mobília para a cozinha, divisórias, identidade visual na porta de entrada, mobília da recepção, lâmpadas, material de escritório, tinta para a impressora, material de limpeza, etc. E a compra de “quitutes” — no mínimo, o café e algum biscoito.
Há certos casos em que é necessário, sim, haver um escritório, um espaço físico para os funcionários poderem trabalhar. Engenheiros elétricos, por exemplo, dificilmente conseguem simplesmente “trabalhar em casa”. Até o departamento financeiro, geralmente ainda preso a papelada e assinaturas, precisa de um lugar. Mas outras equipes, como desenvolvimento de software (programadores, testers, gerentes de projetos), contratação (que só precisa de entrevistas ao vivo no final dos processos) e até parte do financeiro e RH pode muito bem trabalhar em qualquer lugar que escolham (eu prefiro em casa, mas cada um é livre para escolher onde quer ir).
É bom para o funcionário
A não ser que a pessoa more numa casa com mais quinze pessoas, sendo dez delas crianças que vão ficar atormentando-a o dia todo, geralmente o próprio lar é um lugar agradável. Além disso, trabalhar remotamente não obriga as pessoas a ficarem em casa. Você pode trabalhar, atualmente, de praticamente qualquer lugar. Você gosta daquele cafezinho da esquina? Legal. Vai lá e trabalha ali mesmo.
Eu ainda não vou citar estudos. Vou falar de experiência pessoal: trabalhar não cansa menos estando-se em casa. Mas eu sempre detestei passar o dia todo com tênis no pé. Acho horrível! No trabalho eu sempre acabei usando chinelos. Mas em casa nem cinto eu preciso usar. E como isso é bom para quem tem lá uma “barriguinha” como eu, hehe! Eu posso trabalhar usando a camiseta mais confortável do universo, que é aquela já meio velhinha que eu, no máximo, usaria para dar uma passada rápida no mercadinho ali da esquina. E também posso usar a bermuda mais confortável do universo, que talvez nem combine com o resto do “outfit”. Mas, e daí? Estou em casa e o foco agora é trabalho!
(Há, sim, pessoas que recomendam “vestir-se para o trabalho” mesmo em casa. Eu não vou na onda delas, mas também não desmereço. Pode ser que lhe seja interessante…)
As pessoas ainda tem uma percepção meio esquisita sobre estar trabalhando em casa, especialmente com relação à produtividade. Da minha parte, no debate entre “produz mais” e “produz menos”, eu confio no “produz muito mais”. Sabe por quê? Explico no próximo ponto.
O funcionário (em geral) produz mais
Por favor, resista à tentação de citar “outliers”, os casos extremos. Quem “relaxa” porque o chefe não está por perto é, por natureza, um funcionário ruim. Livre-se dele já. Quem é ruim dentro do escritório é ruim em qualquer lugar!
Trabalhando em casa eu me distraio muito menos. O escritório costuma ser um lugar barulhento, em que é difícil manter-se concentrado por uma hora inteira sem ser interrompido. E há momentos em que eu preciso focar no problema em mãos por uma hora inteira sem ser interrompido.
(Quer um bom indicador de que as pessoas tem dificuldades de se concentrar no escritório? Repare na porcentagem de funcionários usando fones de ouvido.)
É claro que eu falo isso tudo como programador. Eu preciso de interação razoavelmente pequena com a minha equipe e foco e silêncio são muito, muito importantes. Existem até empresas que incentivam a não “comunicação horizontal” entre programadores. Mas há certos trabalhos que exigem mais comunicação entre a equipe e talvez isso não se aplique a eles, embora seja bom mencionar que temos, atualmente, excelentes ferramentas para que pessoas comuniquem-se de forma eficiente mesmo estando distantes fisicamente.
É bom para a cidade
Já pensou se no horário de pico do trânsito houvesse, digamos, 30% menos veículos? Ou que dentro do ônibus houvesse 30% menos pessoas? Seria excelente, não?
Agora diminua em 30% o “pico de uso de energia elétrica da hora de tomar banho depois de chegar do trabalho”. O mesmo para o consumo de água. Quem trabalha em casa pode tomar seu banho na hora que quiser. Não sei se é o caso de todos, mas eu considero a minha casa bem limpa, o escritório “não muito confiável” e “a rua” “bem nojenta”. Nos dias em que não está muito quente e eu não saí para o “mundo exterior”, eu deixo para tomar meu banho lá pelas 22:00 — ao contrário do “tomar banho assim que chegar em casa”, que coincide com o horário de metade da cidade.
Até o comércio local se beneficia. Aqui em Curitiba, o Centro é o melhor lugar para se vender praticamente qualquer coisa. Mas ter um ponto por lá é privilégio para alguns poucos. Se 30% da força de trabalho deixasse de estar no Centro e fosse para os bairros, os comerciantes locais seriam muito beneficiados.
É bom para o desenvolvimento humano
Soa profundo e meio abstrato, mas faz sentido: trabalhando em casa, quando eu for “espairar” um pouco, posso pegar meu violão por uns minutos. Ou posso ir lendo um dos vários artigos ou livros da “fila” (muita gente tem “a fila de livros”, não?). Ou posso escrever um artigo no Linkedin. E isso sem contar as duas horas que eu ganhei só por não precisar pegar ônibus ou dirigir. Ou os minutos da hora de almoço, afinal, eu não demoro 60 minutos para comer. Com duas horas e meia a mais no dia, eu posso muito bem levar adiante aquele curso online que também havia ido pra “fila” por falta de tempo ou ânimo.
É bom para os portadores de deficiência
Vamos admitir: são raros os “workplaces” brasileiros que são devidamente adaptados para receber, por exemplo, um cadeirante. Além do que, dependendo do tipo de deficiência que a pessoa tiver, é uma complicação muito maior ter que, todo santo dia, ir de casa até o trabalho.
Há pessoas que poderiam trabalhar sem maiores problemas, mas precisam de cuidados constantes. Por exemplo: alguém que não consegue usar o banheiro sozinho. Peço permissão para generalizar, aqui: em geral, são os familiares quem cuidam dessas pessoas. Logo, não é assim coisa simples locomover-se e ficar 9 horas longe de casa. Trabalho remoto pode resolver esse problema, trazendo a maravilhosa satisfação à pessoa de poder trabalhar e sustentar-se a si mesmo.
Sério, isso é muito bom mesmo.
Em resumo
Para quem quiser se aprofundar no assunto, veja esse artigo (em inglês) com vários links para estudos e material interessante: http://www.techrepublic.com/blog/10-things/10-good-reasons-why-working-remotely-makes-sense/ . E esse aqui também é interessante: https://www.mobomo.com/2014/06/distributed-remote-employees-are-happier-healthier-and-more-productive/ .
Não entendo por que as empresas, que geralmente são muito espertas na questão “corte de custos” não investem mais em funcionários remotos. Talvez seja a questão da mudança de paradigma, especialmente na forma de administrar e liderar. Não sei. Sei que, da minha parte, só deveria ficar no escritório quem absolutamente precisa ficar.