Como Nasce e Morre o Fascismo (Clara Zetkin)

Uma resenha crítica

victorjmoliveira
Clio: História e Literatura
6 min readJul 8, 2019

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Esse texto é resultado de uma parceria o Clio e Autonomia Literária
Foto de Clara Zetkin

No início do séc XX Clara Zetkin já era uma militante consagrada do movimento comunista internacional. Dedicou sua vida a luta pela emancipação da humanidade, mas principalmente da emancipação feminina. Lutou contra o machismo e a opressão estrutural contra as mulheres exercida pelos capitalistas e até mesmo por seus companheiros luta, pois era comum que os sindicatos e agremiações de trabalhadores não aceitassem mulheres no séc 19. na Alemanha, prática que nem mesmo a primeira Internacional, contendo os elementos mais avançados do proletariado mundial, passou em pune. Jornalista, intelectual, militante e dirigente nas esferas partidárias do (SPD) Partido Social Democrata Alemão, demonstrava firme convicção militante pois se manteve organizada, participando de disputas internas em seu Partido e na Associação Internacional de Trabalhadores até sua morte com mais de 70 anos de idade.

O prefácio de Maria Lygia Quartim de Moraes traça um breve histórico de sua atuação política intercalado com um breve resumo bibliográfico. Mike Taber e John Riddell ressaltam os principais pontos de análise lançados por Zetkin sobre o fenômeno do Fascismo e o relacionam a conjuntura brasileira atual, em que o neo-fascismo bate à porta dos trabalhadores como alternativa tanatológica para resolução da crise e das contradições irredutíveis do capitalismo global. O principal material contido no livros são dois documentos que foram apresentados no III Pleno Ampliado do Comitê Executivo da Internacional Comunista em junho de 1923, o documento em sua integralidade pode ser encontrado em The Communist Movement at a Crossroads: Plenuns of the Communist Internacional’s Executive Comitee, 1922–1923.

Como Nasce e Morre o Fascismo trata principalmente das disputas sobre a interpretação e combate ao fenômeno do Fascismo que naquele momento, em meados dos anos 1920, entrava a baila como regime político-econômico pela primeira vez na história humana. Clara Zetkin compunham a ala esquerda do SPD, com relações próximas a Rosa Luxemburgo e aos Spartakistas que vinham se opondo a linha política reformista majoritária do partido, de apoio a Primeira Grande Guerra Imperialista e mais tarde aos apelos de paz feitos aos fascistas. Clara sabia que o fascismo não era simples violência reacionária ou terror branco, que representava uma arma complexa de dominação burguesa violenta sobre o proletariado e deveria ser combatida ativamente. Os escritos de Zetkin espantam pela precisão de entendimento do processo de construção dos regimes fascistas e suas determinações estruturais, somente um ano após a Marcha dos Camisas Negras em Roma.

Clara levanta os pontos cruciais que fizeram com que os fascistas fossem reconhecidos como força política transformadora e consequente perante ao proletariado e outras classes, principalmente a classes médias Italianas. Após a primeira aventura imperialista mundial a economia e o Estado italianos ficam quebrados, em estado de insolvência. Este é um momento que as lutas proletárias se adensam e chegam em uma situação pré-revolucionária em meados de 1919. Contudo lideranças sindicais e partidárias recuam e fazem acordos com a Coroa, que logo demonstra não ter intenção alguma de cumprir tais reivindicações. Em meio a esta situação surge o movimento fascista com promessas de transformação radical da sociedade italiana, levantando bandeiras populares demagogicamente e se usando de bodes expiatórios étnicos para apontar os causadores do desastre italiano. Segundo Clara Zetkin a desmoralização política dos partidos revolucionários em um momento de crise como aquele foi fundamental para que os fascistas arrebanhassem com rapidez o proletariado, as camadas médias em processo de proletarização, bem como os setores militares de baixa patente que viviam na indigência. O discurso fascista soou como música para aqueles que necessitavam de uma transformação radical na sociedade italiana.

Ao longo de sua declaração Clara Zetkin demonstra através da experiência corrente italiana que o movimento não consegue diluir os antagonismos de classes e pairar sobre essas de forma real. As contradições crescem e os diferentes setores envolvidos estão em constante disputa político-econômica. O que no caso italiano é melhor representado pelos elementos agrários em antagonismo ao projeto burguês industrial até então dominante no seio do movimento fascista, bem como a demagogia fascista, demonstrada através dos arrochos salariais, perseguições a quaisquer reivindicações trabalhistas e políticas econômicas voltadas abertamente a classe dominante. Com os antagonismo expostos, segundo Clara Zetkin, este é o momento em que o terreno para os comunistas fica aberto para disputa dos elementos proletários e pequeno-burgueses de tradição democrática formal (burguesa), pois seus interesses estão abertamente ameaçados. Clara é adepta da política do frentismo, onde forças proletárias e “democráticas” devem se aliançar parar barra o avanço do fascismo, porém visando o horizonte socialista como saída para a questão da barbárie capitalista bonapartista do fascismo. Além de medidas concretas, pois Clara não é uma idealista burguesa e sabe que a disputa e desmoralização do fascismo seria violenta, propõe a criação de milícias operárias de auto-defesa, inserção nas fábricas e um programa de ação que visava a derrubada do movimento e da face mais crua da dominação burguesa.

Neste momento o Partido Nazista inicia seu processo de ascensão e Clara Zetkin denuncia seu caráter fascista e se opõe a política de paz e tolerância propugnada pelo Partido Social-Democrata Alemão. Aquele era o momento de atacá-lo com força e não capitular diante da ave de rapina que planava sobre o proletariado alemão, pois a conjuntura era propícia para sua ascensão. O Partido Social Democrata Alemão vivia um declínio político e moral perante as massas na última década, os partidos tradicionais da direita alemã passavam por processo semelhante os Nazis poderiam se colocar enquanto falsa força revolucionária — o que logo foi demonstrado.

Sua concepção é extremamente atual, pois Zetkin foi até a raiz do movimento fascista e conseguiu torná-lo inteligível através de uma análise marxista. Para além do Terror Branco ou meras turbas de reacionários, os regimes fascistas são um complexo instrumento de violenta dominação de classe, no caso da burguesia industrial e do latifúndio — mesmo com suas disputas internas — sobre o proletariado, mortal para aqueles elementos mais avançados da classe trabalhadora que se organizam, e logo demonstra sua face para as classes médias, pois as liberdades democráticas são superadas e resta a pauperização para aqueles elementos que não se enquadram na máquina burocrática do regime.

Não raro o neo-fascismo vem a baila em momentos de grandes crises mundiais do capital, que são cíclicas e uma premissa da política-econômica do próprio capitalismo. O fascismo em suas versões atualizadas se coloca enquanto movimento moralizador da política, com discursos ufanistas, acima das classes sociais para defender essa ou aquela nação do grupo político dominante ou outro genérico, e dos inimigos externos: imigrantes ou países não alinhados, como os maiores geradores das desgraças materiais, morais da humanidade e dos trabalhadores daquele país em específico, sempre com um líder demagogo, mentiroso, moralista e lacaio da burguesia/imperialismo.

Após a crise mundial de 2008 e a derrocada dos partidos reformistas, sobretudo na América-Latina, o neo-fascismo se coloca novamente como saída para resolução dos antagonismos inconciliáveis do sistema capitalista. Na Europa e outras partes do mundo acontece o mesmo. Nós, comunistas, a luz das diversas análises da conjuntura atual, das experiências históricas, das lutas antifascista durantes diversos períodos e de contribuições como as da camarada Clara Josephine Zetkin, devemos nos colocar enquanto força consequente para enfrentar as questões nacionais e internacionais por uma perspectiva classista, pautando a emancipação da classe trabalhadora do jugo capitalista, demonstrando em todos os espaços que os fascistas são e sempre serão a escória mais abjeta e exploratória da humanidade, que seus projetos políticos são de colonização e superexploração da classe trabalhadora.

FICHA TÉCNICA

Autora: Clara Zetkin

Prefácio: Maria Lygua Quartim / Orelha: Demian Melo / Edição: Aldo Sauda & Yuri Lueska / Tradução: Eli Moraes / Capa: Fabrício Lima / Páginas: 128

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