Das oito às oito

Caroline Rodrigues
3 min readMar 31, 2014

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Às oito da manhã era o balcão da padaria. Pediu um pão na chapa e requeijão mas com pouco requeijão tem light? Três homens olhavam, o olho não entende, duas mulheres inteiras de frente e a cópia mal feita, ali, de peruca. Michelina puxou a franja solta até o pico do arco desenhado a sobrancelha rala. Abriu a bolsa e tinha um mapa. Buscou o fim do mapa e a margem da folha não era tão longe. Dobrou de volta oito vezes e o pão na chapa e a conta.

Às oito da noite achou o pelo encravado cinco dias na virilha. Cadê a pinça o caminho do pelo não quebra. Saiu ergueu a pinça ao ponto onde se olha pra envesgar. Bateu o pelo a pinça na privada. Pelada pro chuveiro que esquentava cadê o sabonete em barra o líquido não limpa direito. Secou o corpo no lugar da cirurgia eu não enxergo um cotonete vai que o ponto se desfaz. Arrumou a peruca loira fiquei pálida a vermelha realçava meu batom.

Seguiu no táxi combinado a rodoviária. O bilhete é só pra meia noite ainda são nove. Comprou Revista Shape Women’s Health e a Boa Forma. Uma leitura em cada hora e subiu.

Sentou no 22 B, corredor, e pensou no que vinha ao 22A janela os setecentos quilômetros. Entra uma velha mancando a fila não escoa. Até que a velha se espremeu e se desfez no 20 A. Depois passou turista e atrás dele uma turma de turistas cor de rosa relembrando como era difícil chegar na cachoeira em sotaque de quem nunca viu o mar. Sentaram logo pela frente e abriram o campo de visão pro garoto com olho tão verde que os turistas já podiam ali mesmo ver o mar.

Ele parou ali o velcro da bermuda na altura o seu nariz. Conferiu o bilhete, e de novo, olhou pros lados, e pra ela, e disse com licença e pisou um passo bem largo pra trás. Michelina disse claro e levantou encolheu a barriga. Pisou pra trás, de frente pra cabeça que abaixou um boné dos Racionais. Que escorregou pra cara e cobriu olhos de mar assim que ele sentou.

Michelina dormiu e sonhou que era pequena e acordou com o barulho. Trovão é deus nervoso? Os mongóis achavam que sim, escutou do garotinho e da sua mãe empilhados no 24 A. Mas mongol não é retardado? Não, mongol é um povo do oriente. Mas porque que chama retardado de mongol? E na cabeça muito quieta a Michelina fabulava a desavença do mundo enquanto a mãe do garotinho gaguejava qualquer coisa sobre os dois terem olhos puxados.

Virando pra janela estava lá o olho de mar escancarado. Olhou de volta e se olharam até, um segundo trovão. Você vai no banheiro de homem ou de mulher? Aqui no ônibus tem um só. Não, na sua vida normal, vai em qual? De mulher. Ainda bem cortou seu pau fora? Cortei. Ainda bem e deitou de volta e bonito o garoto, virado pro oposto o seu lado o boné enterrado na cara.

Oito horas na insônia a Michelina a primeira da fila pra descer. Queria tomar café. Seguiu direto a plataforma o balcão de informações onde a menina olhava uma senhora que escondia um gato na sacola. Por favor, ei. Oi, obrigada, ta boa? Escuta onde eu posso achar um café pra tomar? A menina olhava a Michelina com a mesma boca em ovo que descreu do gato na sacola e o pretérito perfeito do verbo crer no indicativo é mesmo creu. Segue ali vira ali à direita depois da igreja antes da praça.

Um gole desinflou o leite. E o menino da medicina que fazia ela mulher e isso ainda muito antes de operar. O menino do olho azul o queixo largo a mão larga e presente. Morreu o menino mataram. E pisaram na peruca vermelha realçava tanto o meu batom. E rasgaram a lycra empinava o bumbum. Destacaram os cílios do resto já inchado do rosto.

A bunda da xícara trisca o pires. Olha em volta a padaria olha de volta só que agora duvidando discreta. Se duvidam eu fico se já sabem eu vou. Cruza a perna pão na chapa e requeijão tem light?

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