Gislaine Aidar Trindade
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readFeb 16, 2022

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01 fev 2022

O medo da escrita…

Começo a escrita buscando em dicionários o significado da palavra medo.

A maioria deles e, em três idiomas diferentes, descrevem a mesma coisa: sentimento de viva inquietação ante a noção de perigo real ou imaginário, de ameaça, pavor, temor.

Mas isso ainda não se conecta comigo. Então, começo a lembrar o que eu já aprendi sobre a escrita. A escrita une, agiganta, pertence, transborda, habita, nasce antes.

Mas o medo continua lá e eu aqui. Ainda não cheguei perto dele — sei que ele está presente e me provoca. Me provoca enquanto busco as definições de maneira racional. Me provoca quando tento resumir os aprendizados. Me provoca porque ele sabe o que habita dentro de mim nas minhas conversas cotidianas, solitárias e individuais. Calma e atentamente, ele percorre o caminho entre mente e coração livremente. Ele é uma testemunha ocular dos meus devaneios.

O medo toma um espaço maior do que eu gostaria que ele tomasse tivesse, mas do tamanho exato do que eu preciso para iniciar esta jornada.

O medo da escrita, na verdade não é da escrita e, sim, de onde ela vai me levar e revelar; da descoberta; da apresentação pública do que vai transbordar de dentro de mim. Sem julgamentos se será bom ou ruim — é o fato de extravasar e findar e de ter um espaço infinito para isso. A escrita não tem limites.

O medo é o que está por trás da escrita, pois ela concretiza todas as coisas que você transborda, mas, muitas vezes ou na sua maioria, não fala.

Então você transborda o quê? Neste momento tenho uma imagem clara na minha cabeça… Eu e o medo…

O meu salto de paraquedas, 30 pessoas de um grupo de trabalho. Eu não poderia recuar, afinal todos estávamos lá para isso: trabalho em grupo e superação.

Antes de sair de casa bem cedinho, meu filho mais novo, quando foi se despedir pela manhã, me disse: “Mamãe, te amo, mas não morre, tá?” Nossa, isso me quebrou e o medo se tornou maior do que o céu. O céu era o medo e eu o paraquedas. Mas, fui mesmo assim.

A imagem do medo se formou para mim: eu de cócoras dentro do avião sem porta, somente o vão da porta. Então, o medo se intensificou ali. Me “prendi” ao instrutor para saltarmos juntos. As pernas precisavam da ajuda das mãos para se moverem, pois elas insistiam em não sair do lugar. No vão da porta do avião, o instrutor fala: “No dois, solte as mãos da porta e, no três, vamos saltar, combinado?”. A voz quase não saia, pois, a visão do nada me travou. A única palavra que saiu foi: “Sim”.

Pelo medo, eu fiquei completamente paralisada no “dois”. Nesta hora, o grupo de trabalho já não me importava mais, porque éramos somente nós três: o instrutor, o medo e eu. Então um, dois e saltamos… isso mesmo, fui surpreendida no dois. Nos primeiros segundos, foi pânico total e a falta de chão, literalmente. Porém, um mundo a minha frente, uma liberdade indescritível, uma mistura de medo, superação, conquista, leveza e liberdade me aguardavam.

Quando a queda livre acaba e o paraquedas é aberto, você começa a olhar a beleza e a aproveitar a liberdade. Quando o chão chega novamente aos seus pés — sim, o chão chega aos seus pés e a sensação de flutuar, continua — você descobre que ali não era mais o meu lugar, porque uma vez que temos “asas”, não queremos mais os “sapatos”. Na verdade, diariamente ainda busco aquela sensação.

E agora estou aqui novamente, saltando com mais 72 pessoas, todas no mesmo avião, todas embarcando na primeira aula do curso.

Nunca imaginei que na primeira aula já teria outro salto no “dois”. Achei que teríamos um tempo para o aquecimento e, de repente, vem o desafio: “Escrevam e publiquem sobre os seus medos”. Sim, salto no “dois”.

Confesso que o chão ainda não chegou aos meus pés, mas, quero mais desta sensação todos os dias.

Gislaine Aidar Trindade

15.02.2022

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