8 remédios

Cecilia Etchecoin
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readApr 19, 2021

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Desafio #4 — março

Photo by Christine Sandu on Unsplash

“Cunhada, como foi a consulta?” perguntei. A resposta veio numa imagem. A foto — cuidadosamente tirada pelo celular — chegou via Whatsapp. Era uma receita com 8 remédios, todos fortes e cada um carregando os indesejáveis efeitos colaterais. A paciente? A irmã que a vida me deu. Aos 42 anos, minha cunhada está superando o segundo câncer em menos de 3 anos. Como ela aguenta, eu não sei responder.

Os nomes complicados dos medicamentos escondem algo muito simples: não temos controle sobre a vida. Se às vezes temos essa impressão, não se deixe iludir. Sei que uma agenda cheia, um relógio que não pára e aquele cansaço no fim do dia nos fazem crer que temos poder. Não temos.

Ela, por exemplo, cheia de energia, alegre, com dois filhos pequenos e decolando na profissão viu a vida parar. Seus dias viraram receitas e mais receitas que tentavam — às vezes em vão — aliviar o mal estar. Câncer não se cura com remédios. Tem que tirar, tem que ser agressivo. A conta vem depois. Um corpo fraco, sem defesas. Uma mente cansada de tanta dor.

Quem acompanha de fora se sente culpado por ter saúde. Se pudesse, trocava de corpo com ela para dar um alívio de horas, dias ou até semanas. Mas não posso. Se pudesse ia visitá-la e daria um abraço demorado, que talvez fosse acompanhado de lágrimas. Mas não posso. Mando mensagens seguidas, às vezes ligo, e sempre — sem pular um dia — penso nela. É só o que posso fazer.

Minha cunhada tenta achar conforto na rotina, na agitação da casa, na alegria do novo cachorrinho. O tédio do dia-a-dia ajuda a fechar feridas. As mensagens de amigos e parentes trazem acolhimento. De alguma forma, ela tem a impressão de que estão ali, junto, torcendo, sofrendo. É uma presença não física, mas tão importante quanto a lambida do cachorro e os beijos dos filhos.

As receitas estão ficando menores. Os dias têm mais movimento e a saúde começa a encontrar o caminho certo. Uma escada já não é intransponível. É apenas um desafio que pode ser vencido.

As crianças continuam a mil, o apoio do marido também. Os amigos e familiares ainda fazem a tela do celular piscar, mas o espaçamento das mensagens é recebido como boas novas. Sinal de que o pior já passou.

Da receita de 8 remédios ficam as lembranças do que um corpo pode aguentar munido apenas de amor colhido à sua volta.

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Cecilia Etchecoin
Clube da Escrita Afetuosa

Na busca da escrita como terapia! Fundadora do site Nossas Palavras @nossaspalavrasbr — um espaço aberto para as vozes femininas!