A briga

Barbara Fonseca
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readJun 20, 2022

Quis correr para executar o impossível: agarrar o copo que cruzava o salão pelo ar. Mas não foi capaz. Tapando o rosto com um dos braços, o corpulento garçom só pôde acompanhar com os olhos o desfecho inevitável. Viu o objeto fazer um arco perfeito, de uma ponta a outra do recinto, até se espatifar em mil estilhaços pelo chão. Foi só o primeiro dos desastres. Em seguida voariam uma garrafa, um cinzeiro e, finalmente, duas cadeiras. A briga estava formada.

Quem passasse minutos antes pela porta daquele bar — mais um bar como os de sempre do centro da cidade — não imaginaria a bomba que estava prestes a explodir. Foi o caso de um casal do interior, que lá entrou para tomar uma coca antes de pegar a condução de volta pra casa.

Ou do pastor da igreja, cuja intenção era distribuir folhetos abençoados com a mensagem do Senhor. E teve também uma senhora com carrinho de compras, que pediu para usar o banheiro do bar, ainda que aquilo fosse totalmente contra os seus princípios. Usar banheiro de boteco, onde já se viu. Mas quando o corpo pede, não há convicção que dê conta, fazer o quê.

E foi assim, quando ninguém esperava, que a rotina foi sacudida por um grito.

-Cindy Lauper o caralho, tira agora essa música de veado! Disse o homem com corpo em forma de armário, enquanto apontava o dedo ao jovenzinho da mesa ao lado, que acabava de colocar Girls just want have fun na jukebox.

O menino era franzino e, com suas malhas coladas ao corpo, brincos de argolas e cabelo pintado de violeta, ninguém poderia prever que ele encararia o grandalhão de frente.

-Música de que? Repete o que você disse olhando na minha cara, seu merda! Gritava num tom debochado, girando a cabeça como se quisesse mostrar para todo mundo dali que não deixaria barato o insulto.

O tipo gigante o fitou incrédulo. Não esperava uma reação daquele tipo do rapaz magrinho. Agora, quem não deixaria barato seria ele. Levantou-se como uma besta e, empurrando a qualquer um que tentasse meter-se em seu caminho, foi quente em direção ao rapaz.

O jovem, ao ver que o homem avançava como um touro, não pensou duas vezes. Lançou para o alto o copo de cerveja que carregava na mão. Tudo parecia tão improvável que, até sentirem os respingos caírem sobre suas cabeças, os outros clientes não se deram conta de que sim, acabava de começar uma briga.

Daí em diante, é difícil descrever a sequência de fatos. Foi um deus nos acuda, cada um tentando se proteger como podia. O casal do interior enfiou-se para debaixo da mesa, cobrindo a cabeça com a manta de dormir que levavam dentro de uma sacola.

O pastor usou a bíblia como escudo, em todos os sentidos. Ao mesmo tempo que protegia o rosto com o livro, também sacava dele salmos aleatórios que lia em voz alta, como se as palavras de Jesus pudessem devolver algum juízo ao mundo.

Já a senhora do carrinho de compras…Esta não tomou conhecimento de nada. Quando desceu as escadas do banheiro, praguejando contra os próprios joelhos, encontrou o mesmo cenário de antes. No salão, nem sinal de caco de vidro, respingo de cerveja, ou das gotas de sangue que jorraram do braço do grandalhão ao ser atingido por uma garrafa.

O garçom foi quem se encarregou da limpeza do local, com a habilidade e a indiferença trazidas pelo acúmulo de anos naquele ofício. Foi ele também quem acabou com a confusão, acenando a um amigo policial que, não sem motivos, sempre está de ronda à paisana por aquelas bandas.

Com um sorriso na cara, o garçom voltou a posicionar-se à entrada, dando boas vindas aos novos clientes que chegavam. Quem entrava no bar naquele momento, mais um bar como os de sempre no centro da cidade, nem imaginava o que acabava de acontecer.

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