A caixa de fotografias

Bianca Kiszewski de Medeiros
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readMar 17, 2022

Ganhei no meu aniversário de 10 anos uma caixa de presentes cor de rosa chiclete, que guardava um diário lilás que tinha cheirinho e cadeado. O diário logo depois recebeu palavras, flores secas, pedacinhos de papéis de bala, ingressos de cinema ou recortes do Leonardo DiCaprio ou do Fábio Assunção. Aquelas coisas que uma pré-adolescente nos anos 90 costumava colecionar já que não tinha como postar nos stories a “interessância” de uma vida sendo vivida. Hoje em dia, na metade dos meus 37 anos o diário não existe mais, mas aquela caixa de presentes que digamos passou de rosa chiclete para, literalmente, um rosa envelhecido agora guarda fotos. Era uma caixa que eu adorava abrir. Lembro que quando levei meu primeiro namorado para conhecer meus pais peguei a caixa para mostrar um pouquinho da minha versão criança, dos bichinhos de estimação que já tive e como eram as minhas festas de aniversário na garagem de casa. Tinha um pouco de tudo junto e misturado na minha caixa. A tal caixa já foi um refúgio querido onde revisitava momentos que eram de fato dignos de uma foto, até porque tirar foto era algo especial, sem a facilidade do celular e das selfies e quem dirá dos filtros. Envolvia um ritual de ir até uma loja especializada para comprar um filme da Kodak para garantir qualidade. E esse filme já era dedicado para um evento: normalmente um aniversário ou férias. Conforme a festa ou a vigem ia acontecendo as fotos eram cautelosamente clicadas, até porque se tinha um limite de 24 ou na melhor hipótese de ostentação, 36 chamadas poses! Depois de evento realizado, era hora de torcer para que a revelação desse certo e as fotos ficassem nítidas e aí então as minhas preferidas iam para a minha caixa.

Porém, nos últimos anos essa caixa se mantém preciosa, mas aquela melodia gostosa quase como de um comercial de margarina que eu sentia ao pegar ela nas mãos mudou. No início aquele objeto só guardava alegrias até que um dia eu a abri aos prantos e resolvi garimpar todo e qualquer rastro de imagem que pudesse lembrar alguém que tinha surpreendente me ferido demais. E eram tantas fotos com aquela pessoa, tantos momentos, sorrisos, cenários, beijos, brincadeiras de algo que tinha sido bom, mas que eu rasgava intencionando que o picotar das imagens pudesse diluir um pouquinho da minha dor. A caixa foi meu saco de boxe em tempos de fúria.

E há aproximadamente seis meses atrás tive um novo tipo de encontro com esta senhora caixa. Nesse tinham lágrimas, mas o garimpo era por fotos que me conectassem e despertassem aquele calorzinho de afeto, de amor de vó paterna. Quando Dona Blanca partiu eu precisei olhar para o semblante dela sorrindo, olhando pro meu avô apaixonada, nos abraçando e me conectando com uma história que chegava ao fim. Precisei olhar e escrever e entendi que assim eu conseguia desaguar o meu luto. A caixa foi cobertorzinho e chá de camomila no meu momento triste.

Dias atrás fiz o mesmo exercício para sentir e expressar luto quando a yorkshire Donna de 16 anos partiu. Uma idosa mascote que fez história na nossa família também ocupou muitas fotografias fofas na minha caixinha. Mais uma vez, um abraço e uma lambida de cachorro da tal caixa.

Lá no meu aniversário de 10 anos eu ganhei um diário. E ele não era lilás. Ele é cor de rosa.

02marc22

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