A chegada de Elza

Natália Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readApr 1, 2021
Ilustração: Felipe Parucci

A Elza nunca chegava de sopetão. Fina que era, gostava de enviar antes alguns sinais, pequenos rastros que indicavam que ela estava para me visitar.

Assim que ela batia à porta, entrava de mansinho, tímida e se sentava ao canto. “ Eu não quero incomodar não, viu? Não precisa nem reparar que estou aqui”, dizia.

E depois de um tempo, quando eu nem lembrava mais que ela estava lá, a Elza ficava gigante, se enfurecia e tomava conta de toda a sala. Em seguida, me agarrava bem forte e me espetava do lado esquerdo da minha cabeça, até eu ficar paralizada de cansaço e dor.

Se eu te disser que a Elza costuma vir sempre, você provavelmente vai estranhar o motivo de eu deixá-la entrar. Acontece que não é como um amigo, ou um parente, que vem nos visitar. Ela está mais para uma vigilante sanitária que vai ao restaurante ou uma assistente social que vai verificar se uma criança está sendo bem cuidada pelos pais.

Essa criança é meu corpo. Se eu o maltratei, tencionando seus músculos com o estresse, se eu o intoxiquei, com alimentos que o inflamam, ou se eu o deixei exausto, o expondo à 12 horas de luzes eletrônicas, sem colocá-lo para dormir, pode apostar que a Elza virá.

Alguns de seus sinais já me deixam alerta que andei vacilando: um mau-humor ao acordar, uma irritação com a claridade, um enjoo no estômago. Para você ver que no fundo no fundo, ela até que não é uma má pessoa e dá chance de eu correr atrás de meu prejuízo.

Mas o que a Elza não entende é que as coisas não são tão simples assim. Eu até queria que o corpo dormisse mais, mas ele não tem botão de desligar e quer brincar de insônia. Eu queria poder relaxar, mas moro no Brasil em 2021. Eu queria poder comer menos besteiras, mas não resisto me negar o único prazer possível do momento. Eu queria ficar menos tempo no computador e celular, mas é o meu trabalho e única forma possível de me comunicar durante um isolamento social.

Se tudo isso são desculpas ou não que dou a mim mesma, com a Elza não cola. Então, eu sei que ela virá, com cada vez mais frequência. Quando ela chega, olho para sua cara com raiva e medo. E tento espantá-la com o que essa danada mais teme: uma dose de Cefalix, muitas horas no escuro e no silencio. É Elza, um dia a gente a se entende.

Desafio #4 — Março

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Natália Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa

Da tentativa de achar a palavra certa e nunca encontrar, nascem meus textos | insta: @nataliafig