A conspiração do universo

Zuleica Águeda Ferrari
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readJun 24, 2022

002 jun/2022

- Mãe, o mundo é muito injusto! — me disse ela, aos prantos, aos 21 anos, no início de 2001.

- Filha, às vezes, temos de ler as mensagens do universo e nos conformar com elas, — respondi me contendo para não chorar também.

Ao final do 1º ano de Medicina cursado em Joinville (SC), minha filha tentou conseguir transferência para alguma universidade em Curitiba (PR), cidade onde moramos.

Em uma das faculdades, o critério era a média aritmética de todas as disciplinas cursadas. A média dela era mais alta do que a de um colega de sua turma, que também estava pleiteando a transferência. Quem conseguiu obtê-la? Ele. Primeira injustiça!

Em outra universidade, o critério seria uma prova de todo o conteúdo das disciplinas do 1º ano. Durante dois meses de férias, ela estudou sozinha, arduamente, inclusive duas disciplinas novas que ainda não havia tido no seu curso. Quando faltava uma semana para a realização da prova, recebi uma ligação da instituição de ensino de Curitiba, comunicando-me que a prova tinha sido cancelada. Virei “bicho”!

- Vocês têm coragem de fazer isso? Cancelar uma prova uma semana antes da data da realização? Isto não está me soando nada ético. — falei eu.

Mais tarde, a verdade veio à tona: quem havia obtido a única vaga disponível era a filha de uma médica de renome, que lecionava naquela instituição. Segunda injustiça!

Após quilômetros de lágrimas rodados entre Curitiba e Joinville, minha filha se conformou. Sofri junto com ela. No entanto, expliquei-lhe, em certos momentos, a melhor solução é aceitar a vida como ela é.

O primeiro local onde ela morou, em Joinville, no ano de 2000, foi a pensão da Dona Regina. O quarto ficava no andar de cima, dava para a rua e pegava todo o sol da tarde. Um forno! Depois, foi morar, sozinha, em um apartamento alugado. Levou sempre o curso com muita responsabilidade e empenho. Quando possível, em finais de semana, seu Corsa 1.0 a levava serra acima rumo a Curitiba, a 130 quilômetros de distância.

Em 2005, conheceu em um barzinho, um rapaz simpático, proveniente do Rio de Janeiro. Ele estava cursando residência médica, em Joinville.

- Onde você mora aqui em Joinville? — perguntou ela.

- Na pensão de uma senhora. — respondeu ele.

- Como é o nome dela?

- Dona Regina.

- O quê? Em que quarto? — perguntou ela.

- Num quarto de cima, que dá pra rua. Superquente!

- Não acredito, — respondeu ela. Eu morei nesse quarto no ano de 2000, quando passei no vestibular. Que coincidência!

Após muitas voltas e reviravoltas, os planetas se alinharam: a aquariana e o canceriano começaram a namorar. O vínculo foi aumentando e o amor foi ficando mais sólido. Acabaram trocando alianças em junho de 2008, em Curitiba. Graças a todos os movimentos de rotação e translação, e à conspiração do universo, tenho hoje, duas grandes preciosidades: um neto de 9 anos e uma neta de 6!

- Não, filha, o mundo não é injusto. É simplesmente maravilhoso, pois “ser avó é a sobremesa da vida”.

Zuleica Águeda Ferrari — 24/06/2022 — Clube da Escrita Afetuosa — Professora Ana Holanda — @anaholandaoficial — Desafio 2: Escrever um conto.

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Zuleica Águeda Ferrari
Clube da Escrita Afetuosa

Leitura, escrita, cinema e música são minhas grandes paixões. Moro em Curitiba, PR, Brasil.