A FILHA PERDIDA

Ana Helena Biagiotti Esteves
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readFeb 23, 2022

Para alguém que se propõe a mergulhar na escrita como parte de um movimento de grande mudança na vida, minha bagagem como leitora ainda é raquítica, muito aquém do que tenho como intenção… “Olha lá a autocrítica, sabotadora e limitante”. Pois é. Mas essa lição de casa quero cumprir com esmero, pois cada vez mais percebo o quanto a leitura alimenta a alma — sobretudo a alma de quem escreve. Tenho fome disso.

Caveat feito. Comecemos pelo final: minha última leitura.

A Filha Perdida, de Elena Ferrante, colocou um espelho diante de mim, refletindo uma dolorida parte da maternidade, tão penosa de admitir a mim mesma (que dirá ao mundo). Cheguei a sentir náuseas durante a leitura — um sinal mais do que conhecido para mim de quando algo mexe onde não queria que mexesse. Já vai mais de uma semana desde que encerrei o livro e ele ainda ecoa profundas reflexões.

Leda chega ao seu limite quando a mãe que crê que deveria ser (por fora e por dentro) esbarra na mulher que assume que gostaria de ser. Nesse ponto, seu esgotamento e frustração a levam ao rompimento com a maternidade, ao se ver incapaz de lidar consigo mesma nesse lugar entre o deveria-mãe e o gostaria-mulher.

Ela compartilha sua história a medida em que, durante suas férias, conhece Nina, uma jovem mãe angustiada, que desperta suas dolorosas memórias.

E de que dores, afinal, essa história fala?

De solidão: só existe uma mãe e uma maternidade para seus filhos… você está sozinha nessa;

Da vergonha de reconhecer preferências e repulsas entre os traços de seus próprios filhos, e de perceber que tais traços espelham suas próprias vaidades e falhas;

Da raiva e da tristeza de muitas vezes não se sentir enxergada como pessoa, mas como uma função incondicional;

Da consciência quanto a limitação em viver seus próprios desejos e sonhos;

Da dor de saber que, apesar de amar seus filhos, você não consegue exercer a maternidade que acha que deveria ou, ainda, de reconhecer que você muitas vezes não gosta de exercê-la.

Não, a maternidade não é só dor. Longe disso. O lado bom e irreplicável de ser mãe é real e profundamente belo, incomparável com qualquer outra coisa que se possa trazer como referência. Mas falar sobre o lado B é também legitimar que somos pessoas e mulheres, antes de sermos mães.

O encontro entre Leda e Nina de certa forma as libertam, ao se reconhecerem uma na outra. Aqui está, para mim, a potência de A Filha Perdida: tocar e dividir dores com a mulher-mãe leitora para, assim, também a libertar.

#02FEV22

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