A menina e o salto no vazio
Quando a escrita habita, quando as palavras jorram na alma, da existência, dos olhos, quando ela transborda sem permissão como um fantasma que fala nos ouvidos, ela apenas existe. E ponto.
Quando criança, ao sentar na pequena máquina de escrever do meu Tio, digitava em folhas ofício, não pensava nada além de saber que gostava de escrever. E como aquela criança que fui um dia, jamais pensei em fazer uma universidade que me levasse para escrever e sim que me levasse para o mar. Por isso, aos 16 anos, em 1981, meu vestibular foi para o curso de Oceanografia, em uma única turma de 28 alunos na universidade pública do estado, a UERJ. Não passei para uma das 28 vagas, já que elas ficaram com alunos que poderiam ter se classificado para medicina, com altas notas. Tinha pressa. Por isso, fiz um isolado e fui para uma universidade particular para o curso de Comunicação, após conversar sobre o que era o curso com o namorado jornalista de uma prima.
De tempos em tempos a escrita ia e voltava, mas nunca saiu da minha alma, da minha existência, dos meus olhos, quando ela transborda sem permissão como um fantasma que fala em meus ouvidos, ela apenas existe em mim e isso faz parte de mim. Me bastava. Mas um dia, comecei a me aborrecer com a minha consciência de que escrevia e que entre me achar ridícula e querer jogar para o mundo, criei um blog onde colocava textos pequenos, grandes, poemas, crônicas, mas nunca avisei para ninguém da sua existência. Com o tempo passando e o cansaço da mesmice da vida profissional no piloto automático, um dia fiquei doente. Meses depois, recebi o convite para expor minha experiência de sobreviver a um câncer em uma revista. Fiquei com medo de não ter capacidade para contar essa história, mas consegui, a crônica foi publicada em 2015 e, de lá para cá, venho buscando coragem para espalhar minhas palavras.
Como uma menina que ainda precisa de aprovação para dar um salto, penso se a escrita que me transborda pode não ser para chancelar uma carreira de escritora, já que o reconhecimento como profissional de comunicação já é fato. É o salto mais difícil para dar desde quando acordei com a minha crônica publicada na revista, foi como uma aprovação e um novo começo, repleto de possibilidades para a vida.
Talvez o medo seja perceber que aquela menina que escrevia na máquina do Tio já era uma escritora, sem precisar da aprovação que o salto no vazio vai precisar agora.
Maktub!