A REDE DA VARANDA

Ana Helena Biagiotti Esteves
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readMar 30, 2022

Ela se instalou na varanda do quarto há dois anos. Anos atípicos, em que eu viria a passar muito mais tempo nesse dormitório — ele havia se transformado também em local de trabalho.

Passávamos bastante tempo perto uma da outra. Da escrivaninha em frente a cama, bem pertinho da janela, conseguia ouvir o rangido do seu balançar toda vez que a brisa entrava suave pelo quarto, subindo por minhas costas. Cosquinha nos meus ouvidos.

A rede me convidava o dia todo a sair do ângulo reto em frente a tela e me acochar em sua trama. Ali, ela me oferecia a frestinha de céu que escapa por entre os prédios e um embalar ritmado que me embriagava deliciosamente.

Comecei a ceder a seu charme aos poucos. Me deixava abraçar por ela para atender uma ou outra rápida ligação ou para assistir ao tipo de reunião que requer pouca participação, câmera off.

Assim, sem perceber, foi acalentando aquela rotina que havia se imposto árida e asséptica demais. Me pegava no colo e me ninava quando, por dentro, eu esperneava como uma recém-nascida que não sabe se fazer acalmar.

Quando um novo momento se iniciou pra mim e deixei de ver o posto ao seu lado como identidade, me tornei habitué de vez. Continuo encontrando nela o acolhimento maternal dos encontros iniciais, mas sua oferta se expandiu generosamente.

Seu balanço agora é luz para meus pensamentos. Inspiração. Movimento. Ação.

Seu balanço agora é silencio para meus pensamentos. Expiração. Pausa. Procrastinação.

A rede da varanda era útero. Agora é renascimento. Me espelha ao confirmar que posso ser luz e silencio. Inspiração e expiração. Movimento e pausa. Ação e procrastinação.

#04MAR22

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