A velha santinha de madeira

Minha avó era uma mulher muito religiosa.

E vaidosa também. Nunca saía de casa sem brinco. O cabelo sempre impecável, no estilo permanente. Na hora da foto, em um almoço de família qualquer, não podia aparecer sem batom. Seria um sacrilégio. “ah espera um pouco” — bradava, enquanto se apressava em pegar seu batom, normalmente de cor clarinha. A algazarra da familia continuava. “Vem logo vó”, os netos gritavam. Era sempre assim.

Minha vó adorava uma bagunça e uma festa. Gostava de dançar. Com ela aprendi a apreciar os pequenos e simples momentos cotidianos. Alegria poderia ser seu sobrenome. Elza “Alegria”Arruda. Taí, Acho que cairia bem.

Minha avó ensinava sobre amor. Ensinava apenas sendo. Não precisava de nada mais. Apenas ser.

Penso que dom esse que algumas pessoas tem. Bonito, isso.

O amor brotava em seus olhos. Ela era pequena de tamanho e imensa de coração. Sua grandeza transbordava em ondas e nos fazia também grandes ao lado dela.

Tinha uma marca no joelho, vermelha, em formato de coração.Sua marca registrada e motivo de muitos questionamentos meus, na infância. Até nisso, Deus foi generoso e caprichou.

Enquanto me inundo de lembranças, vejo uma santinha de madeira que tenho na cabeceira da minha cama. Era da minha avó e me acompanha há alguns anos. Um pedaço dela que trago comigo, pra onde vou.

Não sei bem como chegou até mim. Se foi quando faleceu e dividimos os objetos da casa, se foi antes ou depois. Também não sei o que significava pra ela. Não tive tempo de perguntar.

Mas sei o significado que tem para mim.

A velha santinha de madeira é um símbolo. De tanta coisa…

De amor — de amar e me permitir ser amada.

De honra — de honrar quem veio antes e o caminho percorrido.

De familia — Que me deu base e que sempre foi porto.

De gratidão — Ao pequeno, simples e sutil.

De alegria e força.

E com o amor como guia, sigo nesse caminho de vida. Nessa estreita brecha de tempo. Com minha vó ao meu lado, disfarçada em um velha santinha de madeira.

desafio #04mar22