Acho que não me pareço com ninguém daqui

Karol Candido
Clube da Escrita Afetuosa
4 min readMar 15, 2022

“Meu nome é Karol. Karol com K”. Talvez essa seja a frase que eu tenha mais repetido a minha vida toda. Já cheguei nessa terra diferente do comum. Numa sexta-feira, mais especificamente no dia 27 de setembro de 1991. Dia de São Cosme e Damião.

Confesso que quando menor, secretamente, porque minha mãe e minha avó eram evangélicas, adorava ter nascido nessa data. A versão mística infantil que morava em mim pensava que era uma pessoa protegida, de forma especial, por ter nascido exatamente no dia dos dois santos protetores das crianças.

Morria de vontade de me acabar nos doces quando ganhava um saquinho de Cosme e Damião, mas nunca podia chupar nenhuma balinha se quer. Sempre achei isso uma baita de uma injustiça. Bem no dia do meu aniversário.

Talvez seja esse o primeiro grande motivo que me fez optar por não seguir nenhuma religião. Não gosto de nada que me coloque dentro de uma caixa. A ideia é sempre sufocante. Meio desesperadora.

Libriana raiz, com uma alma um tanto rebelde, também não vou com a cara das injustiças. Elas sempre me rendem muita revolta e muito papo na terapia.

Ando com um colar de nave espacial no pescoço, numa forma sutil de mandar uma mensagem para o mundo: acho que não me pareço com ninguém daqui. Ninguém desse lugar. E como é indescritível o poder de assumir isso em alto e bom tom.

Demorei muito a me libertar e me permitir. Muito me escondi. Acho que porque, aos 7, passei a sofrer bullying no ensino fundamental. Olha ai, eu de novo não cabendo. Como a pecinha retangular, daqueles brinquedos de encaixar, que às vezes meu filho, a todo custo, tenta colocar no lugar da quadrada e não entra por nada.

Desconfio que meu jeito bonzinho e inocente, fazia com que meus colegas achassem que podiam me colocar num lugar abaixo deles. As vezes eu, até hoje, ainda acho.

A verdade é que esses traumas de escola, com tão pouca idade, são como um balde de água fria na nossa cabeça. Parece que a magia da infância se dissipa antes do tempo. Que escorre, como água, ralo à baixo.

Acho que foi como se tivessem tirado de mim a liberdade de desenvolver minha essência pura e simples. De me aceitar com cada qualidade e cada defeitinho meu. De me amar. Parece que, tão novinha, já me tiraram toda a segurança de ser Karol e me impregnaram um medo, descomunal, de nunca ser suficiente.

Aos 12, mudei de cidade, mudei de escola e encarei aquilo como uma nova chance para escrever um futuro diferente. Prometi, para mim mesma, que não voltaria a sentir nada parecido com o horror que era o não pertencimento de estar naquele antigo lugar.

E, assim, me enganei. Me vestindo por muito tempo com roupas que não me cabiam. Física e emocionalmente falando. Me forcei a andar com o bando. Fingi gostar do normal, fingi enxergar com olhos que não eram os meus. Me moldei para me encaixar. Fui perdendo minha identidade.

E, no fundo, como isso me incomodava. Tanto a ponto de intuitivamente, mesmo aos 12 anos, eu saber que não era aquilo. Sim. Eu sabia. Continuava não me encaixando. Como uma peça guardada na caixa do quebra cabeça errado. Mas como realizar de fato e mudar tudo isso com tão pouca idade? Não consegui.

10 anos depois, aos 22, vivendo a experiência mais transformadora da minha vida, a gravidez indesejada que por muito tempo me fez acreditar que tinha perdido tudo, abri a porteira da longa estrada para me (re)encontrar. Para me (re)descobrir.

A maternidade, aos poucos, me deu coragem para assumir cada risco que é ser uma alma diferente. Uma alma que, quase sempre, não se encaixa nesse planeta. Me deu liberdade para assumir a Karol imperfeita, em todas as suas versões. Para assumir a metamorfose ambulante que sempre fui.

Ironias da vida: o que eu achei que ia acabar com a minha, me curou. Me presenteou com roupas feitas de empatia e de amor. E, vejam só, essas me cabem perfeitamente. Me transformou em pura potência, com coragem para ser quem sou. Não ter mais medo desse monstro chamado rejeição.

Consegui encarar a minha menina, a minha criança, e dizer: “Vem, me desculpe, eu quero estar com você. Eu quero te conhecer. Eu quero te permitir. Eu quero te libertar”. E, assim, me perdoar.

Hoje posso ousar ser a KAROL, assim, em caixa alta. Que traz consigo as dores e as delícias de ser neta de Seu Mário e dona Rosa, filha de Iracelis e Francisco, mamãe do Pedro e do Nicolas. E quem ela é, exatamente, tim-tim por tim-tim, eu ainda não sei te dizer. Mas sei que quanto mais entro em contato com ela, mais eu a amo. Em cada detalhezinho dessa personalidade que busco constantemente evoluir.

DESAFIO 1 — março 22

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Karol Candido
Clube da Escrita Afetuosa

Libriana, jornalista, mãe de dois guris, apaixonada por uma boa história, pesquisadora de tudo um pouco e astronauta.