Alimento de alma

Natália Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readAug 12, 2021

Lembro da primeira vez que trabalhei em uma empresa com direito a vale-refeição, mais carinhosamente conhecido como VR. Para a época, era um bom valor, em uma região abastada de restaurantes chiques e cheios de variedades. Então, todos os dias eu variava entre o árabe, o japonês , o churrasco e toda riqueza gastronômica da região empresarial mais famosa de São Paulo e isso parecia ser uma das melhores coisas do mundo.

Nunca me esqueço também o momento em que meu tour culinário diário deixou de ter tanto sabor. O trabalho que recheava meu VR, passou a empanturrar também meu tempo, minha cabeça e meu pote de ansiedade, de um jeito em que parei de achar graça nas coisas, assim como nos meus pratos e restaurantes favoritos.

E foi em um fim de semana na casa de minha mãe, comendo o arroz com feijão e bife que tantas vezes eu considerei “sem graça”, que voltei a sentir prazer por comer.

Naqueles tempos ainda não se falava sobre comida e afeto, pelo menos não como atualmente. Por isso, fiquei intrigada com o deleite que aquela comida me provocava e comecei a refletir sobre o porquê que ela estava me “curando”.

Até então, eu nunca tinha parado para pensar que o que comia em casa era resultado de um trabalho feito também pelas avós, bisavós e todas as ancestrais que, em tempos de fome, tinham que improvisar para dar sabor com o pouco que tinham disponível em suas mãos. O jeito de fritar o bife que uma delas aprendeu e passou para a outra, o tempero que entrega a nossa origem nordestina e todos os detalhes que fazem um prato tão comum ser único.

Fazer com o básico algo especial e que tenha sua marca, era o que minha mãe fazia desde então e eu nunca tinha valorizado. Ela pode não saber cozinhar uma variedade incrível de opções, nem fazer a receita da cozinheira pop com ingredientes que só se encontram em mercados de bairros de elite, mas a sua sopa, sua torta de frango e seu feijão tropeiro são os presentes mais preciosos que ela nos entrega no nosso dia a dia.

Foi por descobrir o valor da simplicidade e do que é essencial para ser feliz que larguei o trabalho e o VR mais gordo que tive na vida sem nenhum peso na consciência. Passei eu mesma a fazer minha comida, embora nunca tenha tomado um gosto enorme por cozinhar. Mas aprendi, além do básico, a criar meus poucos pratos que posso oferecer com orgulho: meu quibe de abóbora recheado, minha moqueca de banana da terra e espero que um dia, as receitas de minha mãe. Eu poderia dizer que oferecer o pouco que sei a quem amo é algo extraordinário. Mas depois do que aprendi, prefiro escolher outra palavra: isso é tão…simples!

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Natália Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa

Da tentativa de achar a palavra certa e nunca encontrar, nascem meus textos | insta: @nataliafig