Cristiana Musa
Clube da Escrita Afetuosa
4 min readJul 14, 2021

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Alma lavada e enxaguada!

Revisitar memórias de viagem é uma das coisas que mais amo fazer, e sempre que me pego mergulhada nesses devaneios, é para minha viagem de 2014 á Índia que mais volto.

A começar pelos preparativos que foram bem tensos, porque a agência não me aconselhava ir sozinha, todo o roteiro tive que escolher no risco, já que eram lugares que nunca tinha ido e a única pessoa conhecida que estivera lá, era uma professora de yoga, que digamos não tinha muito meu estilo de vida.

Mas algo me dizia que deveria embarcar nessa aventura, e esse algo estava certo, apesar de tudo!

Se eu fosse acreditar em sinais, e quando se vai pra Índia você já entra nesse espírito, eu teria voltado no primeiro trecho. Enfrentei uma turbulência de 40 minutos que o comissário só de olhar pra minha cara decidiu sentar e pedir a minha mão. Juro que casava , tal o pânico. Mas só ficamos de mãos dadas, e ele tentando me convencer que faz esse trajeto há 10 anos e é sempre assim, super normal.

Pra mim, uma mulher casada de mãos dadas com um desconhecido era mais normal do que aquela sensação de que o avião ia despencar lá de cima a qualquer momento.

Juro que ao chegar em Doha, eu pensei seriamente em voltar pra trás. Mas lembrei que iria passar em cima do mesmo mar que me chacoalhou suspensa no ar, e decidi adiar esse medo para volta depois de 20 dias. Teria tempo pra recuperar do susto e quem sabe dar a sorte de pegar novamente o moço bondoso que me deu suporte emocional na turbulência.

Meu objetivo era fazer um workshop de yoga no sul da Índia, em Kovalam, e depois subir para Ghoa e curtir uma praia e a gastronomia Portuguesa de lá.

A primeira parada era uma cidade pequena, tipo 40.000 habitantes. Beira mar. Muitos turistas ingleses. Mas não um lugar muito buscado pelo restante dos viajantes.

Meu primeiro dia de aula foi um suspense. Acordei escuro, com um jet leg de 18 horas e fui em jejum tentar achar o lugar do curso. Tudo deserto, numa cidade desconhecida, de ruas estreitas igual as medinas, mas bem mais suja e bagunçada. Nem lembro como achei. Mas lembro bem da cara de bravo do professor Italiano, que escolhia quem ia entrar na sala lotada de gente suando, com respiração forte e fazendo cara de dor quando ele passava fazendo os ajustes.

Chegou a minha vez, levei meu tapetinho pro cantinho que ele mandou e comecei a praticar. Durante os 10 dias ele não chegou perto de mim. O privilégio de ter seus ajustes era para os avançados , eu era uma iniciante.

Vivi o sentido amplo dessa palavra, pois tudo que aconteceu esses dias em Kovalam me mostraram o quanto eu precisava aprender sobre essa cultura tão diferente e fascinante.

Vou contar dois episódios que retratam bem o que é para uma iniciante se permitir se entregar de coração aberto e sem medo a um lugar desconhecido, e extremamente sedutor.

Logo eu, uma mulher que sempre correu de aventuras, mal andava de bicicleta , e morria de medo de sofrer, só namorava até me apaixonar, quando isso acontecia, pedia pras minhas amigas terminarem o namoro pra mim, porque não saberia o que dizer, já que estava apaixonada.

A Índia tem essa magia, a gente se apaixona e não sabe porque. Eu andava pelas ruas flutuando e num sorriso tão escancarado e tão soltinha que um vendedor de atabaque ( Um tipo de tambor) foi me encantuando sem que eu percebesse e chamou os amigos para ver ele tocar pra mim. Fui sendo levada por aquele batuque, sem notar o risco de estar em um beco com três homens. Quando o guarda chegou nem notei, só me dei conta quando aos berros ele me arrancou com uma mão enquanto a outra sentava com toda força o cassetete nos três marmanjos que saíram correndo acuados. Levei um sabão do soldado e saí sem entender nada. Minha ficha caiu dois dias depois que postei a foto no face e a mulherada horrorizada com o perigo que eu corri.

Esse primeiro episódio , não me impediu de embarcar na segunda aventura. Quis fazer uma limpeza profunda na mente e no corpo. Procurei o Dr Shamboo, indicado pela professora de yoga. Com esse nome certeza que iria sair limpinha.

Mas como sofri. Meu deus!

Foram 4 dias fazendo um cocô oleoso, cor de laranja. Desculpem –me os detalhes sujos , mas fica difícil descrever o grau da minha loucura sem esses pormaiores.

O mais suave que aconteceu foi no terceiro dia , a massagista me pedir para arregalar os olhos e literalmente num piscar pingou uma gota de pimenta em cada um. Numa rapidez, que não deu tempo nem de chorar, quanto mais de xingar.

Quando vi, lacrimejava e ardia e ela só me dizendo : peper is good. Nunca tive um branco do olho tão branco, e uma pupila tão brilhante. Queria ter a foto pra provar pra você que valeu a pena o martírio que foram esses dias de diarreia, fraqueza e incerteza do que mais fazia parte desse tratamento maluco. Mas sobrevivi e o pior , recomendo. To falando que a Índia enfeitiça…

Quero voltar muitas vezes, de preferência sozinha. Pois conheci uma Cristiana tão corajosa, livre, e audaciosa que nem na adolescência eu a vi por aqui. E lembrar dela me aguça o desejo de reviver dias de um viço na pele, um encanto nos olhos e uma vitalidade tão juvenil que só viagens como essa podem nos transportar. Pois se viajando a alma troca de roupa, nessa eu troquei de alma.

Cris Musa

Desafio 001/JULHO

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