Amanda

Amanda Acacio Rabachini
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readDec 17, 2021

Você tinha 17 anos, não precisava escolher a profissão da sua vida toda, todinha ela. Não. Era só dizer não. Você tava feliz ganhando um salário pequenino, sem saber do que gosta, de quem gosta, sofrendo por coisas que só existiam na sua imaginação. Sério, por que você não disse essas três letrinhas que levariam sua angústia pra longe num balão dourado?

Eu queria ter outras notícias do futuro, mas esse comportamento vai se repetir até agora. É verdade, você não mudou. E no momento está muitíssimo chateada porque esse padrãozinho chato tá te tirando a coragem e a alegria.

Você sabia que vai voltar a escrever? Sério! Onde você guardou aquele livro infantil que escreveu aos 10 anos? O conselheiro pinguim? Perdeu? Como assim? Você teria ganho um Jabuti com ele. Certeza. Poxa, você mudou de casa algumas vezes, de país até. Como assim não consegue? Eu sei, terapia existe pra isso. A dor de garganta quando você não fala o que pensa também vai continuar. Assim como a bronquite. A falta de ar é como um sonho que evapora enquanto você tenta com todo seu fôlego agarrar. Abraçar, admirar. Mas é inefável demais. Mesmo para poetas.

Você lê tantos livros e sempre que se apaixona por um fica com raiva porque não foi você quem escreveu. É, não é fácil. Eu queria poder voltar e dar uma sacudida em você. Garota! Para com essa narrativa barata e medrosa. Saia da sarjeta confortável que você está esparramada. O mundo tá capotando, quase no fim, e você desejando ter uma vida em Marte…. Ah Bowie, porque escolheu o mais simples dos planetas? Por que não Vênus? Saturno? Gostaria de ser mais entendida de constelações. Mas o olho brilha mesmo pelas palavras. Nessa terra nada futurista. Super vida real com louça suja todo dia. Uma seca como os portugueses dizem. Aliás dois anos é muito tempo. Dois anos em outro país com três filhos é coisa pra caramba. É como viver outra vida. Mudar de cpf, que lá chama nif.

Burocracia em outra língua que é a nossa mas não é. E os vinhos então? Conte-me coisas. Saudade com gosto de tinta Roriz. Que aliás é um tipo de uva. Pra esclarecer. Na Espanha tem outro nome, Tempranillo. Até uva dependendo do lugar tem outra vida. Outro sotaque.

E você aí, nesse remix mais do mesmo. Era pra ser uma carta de amor. Mas não tá parecendo. Desculpa, é que tô cansada de estar nesse lugar inanimado. Desanimado? Tem diferença? 14.610 dias na nossa companhia. Mesmo gosto musical desde os anos 2000. Ainda bem. Textos inacabados, vontades também. Suaviza esse terror de aparecer. Esquece a vida prosaica e encara a vergonha, a vontade de gritar chorando e comer amandita como se não houvesse diabetes e colesterol no mundo. Lembra de passar um sonho pelo rosto de manhã como ensina Mia Couto, aquele querido. E nem é pela ruga, é mais pelo prazer mesmo. Pelo viço.

Se esvazia dessa condição mediana, na média que tem o mesmo prefixo que medíocre. Mais pra lá que pra cá.

Sério. Você fabricou três vidas incríveis. Seguir não dá mais trabalho que isso. Talvez dê, ainda mais se for na hora do rush, mas você mora no interior, é bairrista e sossegada. Pega esse sossego todo, mete uma prosa poética na história. Rebusca e depois tira toda a firula. Pode dar bom.

Vai dar bom.

E se não der, apague. Sei que você escreve a lápis.

Garota esperta.

#desafio 03/dez

#clubedaescrita

#anaholanda

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