Amar, sem nem falar de amor — 002 Nov

Estou me aprimorando em ver amor.

Ao desligar em mim ruídos desnecessários, observo em silêncio movimentos que contêm afeto em forma de cuidado.

Gosto de sentir as pessoas nos gestos — aqueles pequenos, quase ocultos, que se entranham na rotina e que categorizamos como comuns. Às vezes é um simples esforço que não gerou o resultado esperado, mas que foi o possível para aquele momento. Esse tal de “eu te amo” tem formas singulares de se anunciar.

Já ouviram um sonoro “eu te amo” ao abrir a geladeira? Não? Então, quem sabe saindo do armário da dispensa. Também não? Aqui não se trata de nenhum dispositivo eletrônico que fala quando a porta abre e sente nosso estado de carência. Na verdade é um “eu te amo” sem voz.

Depois de quase dois anos morando na casa da minha mãe e meu pai (parte deste tempo durante a pandemia) reforçamos ainda mais nossos laços e o entendimento sobre o respeito às individualidades. Na lista de mercado continha a comida comum a todos e àquela de gosto pessoal. Não podia faltar a laranja lima para a minha mãe, farelo de aveia para o meu pai, biscoito recheado de chocolate pra mim, o jiló e gengibre para Newton (meu marido). Inúmeras listas de compras, incontáveis idas ao mercado.

E assim praticamos durante meses…

Mas aos poucos fomos sentindo que a hora de retornar para a minha casa se desenhava. Fizemos essa mudança com cautela para que aos poucos pudéssemos nos ambientar a uma nova rotina.

Imaginei que a lista do mercado também seria adaptada.

Foi?

Bem, digo a você que, hoje ao visitá-los está tudo lá. O biscoito recheado, os petiscos, a cervejinha, o jiló refogado, o gengibre, e um congelador cheio de comidinha feita por ela — minha mãe — que me abastece durante a semana.

Percebo então que a lista de compras dela é a imagem do seu coração, e não se adapta amor.

Que o “eu te amo” surpreenda e venha da forma que quiser.

Abraço fraterno,

Beth Morais