Poesia em prosa
Amor à venda
Minha mãe ouviu pelo rádio que meu pai tinha colocado nossa casa à venda. “Casa espaçosa, com piso frio. Janelas brancas, recém-trocadas. Nela mora um amor que eu não amo mais. Vende-se ou troca-se por maior valor”, anunciava o locutor com alegria desproporcional ao momento.
Como alguém se desfaz de um amor assim? Ainda pela manhã, estávamos juntos. Fiz para ele uma tapioca e bananas fritas no café. Me perguntou como andavam as encomendas. Sorriu. Deixou um dinheiro em cima do balcão, dizendo: “até”! Como alguém vai embora depois de comer bananas fritas no café, se perguntava minha mãe.
A frigideira ainda estava suja. Que tempos são esses em que um amor não espera sequer alguém lavar a louça?
No balcão, junto com o dinheiro (pouco!) um bilhete: “Cinco cômodos são pequenos para abrigar nós dois e a nossa tristeza. Vou embora. Depois da casa vendida, mando entregar sua parte. P.S. Já te amei. E nunca gostei de bananas fritas”.
Vendeu-se a casa. Fomos embora. Minha mãe deixou para trás o sorriso, o rádio e a frigideira. Trouxe o bilhete, que exibia como uma condecoração de guerra na porta da geladeira, gabando-se de que ali existe e persiste uma mulher infeliz. Nunca mais tivemos café da manhã, nunca mais comemos bananas fritas.
Clube da Escrita | Desafio 04 - Abril 22