Aniversário às antigas

Patricia Moura
Clube da Escrita Afetuosa
4 min readJun 15, 2022

Se essas lembranças lhe são familiares, talvez tenhamos algo em comum. Os aniversários de infância. Recordo-me de um deles, comemorando meus 7 ou 8 anos talvez. Mesa grande na pequena varanda da casa de vila alugada. Meu pai tinha um Chevette estacionado na garagem a descoberto. Os convidados eram os vizinhos e, principalmente, os filhos dos vizinhos. Os parentes mais próximos também costumavam comparecer. O bolo sempre foi feito pela mesma vizinha boleira e que lá estava com seus filhos. Formato retangular, com muito glacê e Confeti enfeitando à volta e, no centro, um sorriso estampado no que parecia com o rosto da Magali. Por dentro, a deliciosa massa branca com recheio de ameixa, numa camada, e de doce de leite, na outra. Ele, o bolo, estava no centro da mesa, sob a toalha branca e colorida ao mesmo tempo. Em seu entorno, os copinhos e pratinhos de papelão. De papelão e não de plástico. O chapeuzinho em forma de cone também, mas não tinham tema das princesas Disney. Tudo combinando entre si. Os talheres, eram talheres mesmo. De sobremesa. Do faqueiro da casa. Minha mãe não deixou faltar as balas de coco embaladas em papel de franjinhas que enfeitavam a mesa com as balas Juquinha e os Gamadinhos e Delicados. Ela sempre arrumava assim. Bebíamos Guaraná Convenção para acompanhar. Uma fábrica de refrigerantes que eram comercializados em garrafas idênticas às de cerveja. Tínhamos várias fabricações. Talvez esse fosse o mais conhecido. Ou porque a fábrica ficava próxima do bairro. Eles eram bem mais em conta do que os mais famosos no mercado.

Todos estávamos de banho tomado e com roupas bonitinhas, bem arrumadinhos. Eu, sempre de maria-chiquinha. Gostava muito que minha mãe fizesse essa arrumação no cabelo. Mas a verdade é que todos nós, essa meia-dúzia de crianças, brincávamos até suar muito, de todos os piques. Pique-esconde, Pique-tá, Pique-alto. O Pique-bandeira não dava de brincar nos aniversários. Esse tinha que ser na rua. Era dia de festa e, a essa hora, sem sol, não era permitido. Confesso que não me lembro se os poucos adultos, muito tímidos uns com os outros, comiam algo enquanto brincávamos. Talvez sim, mas não era adulto na época para me preocupar com essas coisas.

Tudo acontecia bem rápido, eu sei. Mas para mim, aquele momento podia ser uma eternidade. Brincávamos as mesmas crianças, no mesmo quintal. Mas era meu aniversário e isso era muito mágico! Era a melhor festa do mundo. Nós corremos feito loucos pelo quintal, com a sorte de ninguém ter se estabacado no chão, ralado o joelho até sangrar e chorar feito bebê com fome. Em geral, era exatamente o que acontecia comigo.

Tudo parecia bem até a chamada para o parabéns. “Parabéns pra você”… “É hora, é hora, é hora”… “Com quem será”… Então chegou a pior hora da festa para mim naquele ano. A hora de entregar o primeiro pedaço do bolo. Como podem pedir para uma criança escolher quem merece o primeiro e super valioso pedaço do bolo do aniversário? Um pedaço igual como qualquer outro. Ou até pior. É sempre mais difícil cortar o primeiro pedaço porque ele se desmorona todo! Minha mãe o cortou, colocou em minhas mãos e continuou a cortar muitas fatias como se nem estivesse prestando atenção no que eu fazia. Todas aquelas pessoas olhavam para mim e me perguntavam: Para quem você vai dar o primeiro pedaço? Esperavam de mim aquele feito que me parecia tão estranho e ordinário. Eu, com a fatia desmoronada no pratinho de papelão, não sabia o que fazer. Não fazia ideia do que esperavam de mim e fiquei um pouco perdida naquela pequena varanda que havia aumentado de tamanho tão rapidamente depois do parabéns. Pensei rápido e fiz. Vai ver que se eu entregar para o meu pai, livro-me disso, como o meu bolo em seguida e volto a brincar de uma vez. Funcionou somente até a página quatro. Todos fizeram o coro do “ O cordão dos puxa-saco”…, e tal. Mas não satisfeita, minha mãe entregou uma segunda fatia de bolo no pratinho de papelão. Então a tensão aumentou mais ainda. O que fazer com aquele pedaço que eu não poderia comer novamente, pensei. Eu, paralisada no salão, com o bolo na mão e olhando para todos, comecei a perder o sorriso. Até que alguém da plateia falou “Dá pra sua mãe!”. Teria sido perfeito se não fossem todos os presentes os mesmos ouvintes da frase. Executei. Ofereci a fatia de bolo para minha mãe e um silêncio reinou naquela varanda. Minha mãe expressou desgosto e decepção. Eu, mais desconcertada ainda, não entendia porque parecia que eu tinha feito algo muito feio. Minha mãe recebeu o bolo e o colocou sobre a mesa, sem comê-lo. Confesso que me pareceu estranho terem sugerido oferecer a ela aquele pedaço, já que estava muito ocupada. Ela cuidava de tudo na festa para que não desse nada errado naquele dia que me era tão maravilhoso. Ela fatiava o bolo para os convidados e não poderia comê-lo naquele momento. Eu pensei que tinha atrapalhado minha mãe com aquele ato inconveniente e que ela, como eu, também achou que eu deveria ter oferecido o bolo para outra pessoa. Como disse, tudo foi muito rápido. No mais, só me lembro do banho que fui obrigada a tomar antes de dormir. Parecia um pinto no lixo de tanto que brinquei.

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Patricia Moura
Clube da Escrita Afetuosa

Psicóloga e Bordadeira. Eu gostaria que a minha presença pudesse fazer a diferença na sua vida e, de alguma forma, isso faz toda a diferença para mim.