AQUI NÃO!

Maíra Matrone
3 min readMar 24, 2023

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Tenho um segredo. Não que seja um segredo-segredo, mas é que hoje em dia tenho medo dos julgamentos policialescos que nos cercam. Lá vai: Eu detesto, do verbo detestar, pombos. Sempre detestei, mas depois que me mudei para uma casa, eu passei a persegui-los. Ou será que são eles que me perseguem?

A meu favor devo declarar que amo e respeito a natureza. Sou incapaz de maldades ou perversões com o bicho. Matar de verdade só pernilongo e barata. Não leve o meu detestar tão a sério. Eu só acredito que todos nós, animais (incluindo humanos), temos o direito de escolher a companhia. Definitivamente não aprecio a companhia de pombos.

Dito isso, posso começar.

Na semana passada, meu vizinho desconectou o fio do dispositivo anti-pombos que há no muro que divide nossas casas. É só para pintar a parede, depois conecto novamente, vai dar tudo certo. Claro que não deu. O óbvio aconteceu, o sistema começou a falhar.

Resultado: Humana X Ave.

ROUND 1

Sempre acordo às 6:00h, não por vontade própria, mas porque as escolas ainda precisam manter dois períodos para dobrar o número de alunos. Business is business. Antes do relógio, às 5:40h, outro som me acorda afiando meu mau humor. Afinal são 20 minutos roubados. Pru pru pru pru pru pru. O incessante pru dos pombos bem acima da minha cabeça.

De camisola saio no quintal e lá estão os inconvenientes, sempre em casal. Tenho a impressão que são como aquele casal de amigos que não se desgrudam, e não se agüentam. Insuportáveis. Vivem lavando a roupa suja na sua casa, só para te constranger. Todo mundo já conviveu com uma dupla destas, e sabe do que estou falando.

Com um cabo de vassoura espanto o casalzinho que voa para outra parte do telhado. Voa com seu bater de asas característico, já ouviu? Nunca? Só os pombos produzem aquele som ao bater as asas. Um som azucrinante. Reconheço a metros de distância. Arrepios.

ROUND 2

Eles insistem. Claro. É o típico casal sem semancol. Mesmo você desviando do assunto, eles voltam, sem a menor cerimônia, para a celeuma que lhes proporciona o espetáculo. Eles se engalfinham, para que você dê razão para um dos times. Nunca faça isso, você pode ser jurado de morte pelo time adversário.

A perturbação é tanta que chega o esperado momento “já-fiz-a-boa-ação-do-dia”. Bato as duas mãos contra os joelhos me levantando. O papo está ótimo, mas tenho que ir.

Bato as mãos, uma contra a outra e nada. Os cônjuges bicudos nem se mexem. Pego a mangueira e esguicho água para dispersar os pombinhos. De lá pousam no meu bambu, mais água. De lá pousam na calha, mais água. De lá pousam na palmeira, dá-lhe água. Cai a ficha, voam para a natureza. Respiro aliviada.

ROUND 3

Como todo casal descabido, eles voltam na manhã seguinte, fazendo arruaça.

Meu quintal está repleto de galhinhos. Antes do sol nascer eles já tentam ocupar um espaço, que não lhes cabe.

O casal deve entender que precisamos de paz. Não é sempre que queremos sentar na arquibancada e assistir o BBB da vida alheia.

Voam de um lado para outro tramando fazer um ninho no vaso do meu limoeiro. Pru pru. Decido estabelecer limites à invasão. Saio em disparada, para defender minha privacidade, desmancho o esboço de ninho, cato os galhos do chão. A água já não adianta, eles estão convictos que são bem-vindos.

Só há uma maneira. Encho de arroz uma garrafa pet e coloco no lugar escolhido pelo antipático casal. Eles se entreolham, resolvem procurar outro território para entrar em cena.

NOCAUTE

Esta semana vou ligar para o técnico do dispositivo anti-pombos e desmarcar o jantar com a Clarice e o Fernando.

#auroramod1ex #mergulhoprofundo

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Maíra Matrone

Um caldo de histórias vividas e lidas. Autora do @cantehistoria, perfil que conta a História através da Música.