Aqui: ventania, bermudas e dança
Como escritora, a poesia é minha escolha primeira. Embora essa tenha sido uma descoberta recente, sempre esteve muito claro. Alguns fatos nos parecem ocultos até que os enxergamos. Não se pode saber até a certeza. A naturalidade do encontro é contornada pela espontaneidade com que jorram os verbos. Pois bem, a vida me nasce poesia e sobre isso não há o que se possa fazer.
Escrevo também crônicas, contos e grandes textos, claro. Arial 12, espaçamento 1,5, até mil palavras, menção honrosa à gramática, parágrafos respeitados. Afinal, há histórias que necessitam mais espaço. Detalhes estampados em letras bem impressas e não apenas a flutuar nos espaços entrelinhas. Afinal, a tudo serve a escrita. E a poesia, então, a que?
A poesia, meus amigos, destaca-se pela absurda e inconfundível inutilidade. Poemas não se submetem à mercantilização da rotina, não se prestam a um fim, ao derradeiro objetivo de ater-se a uma meta. Como disse-me Gilberto Gil: “deixe a meta do poeta/não discuta/deixe simplesmente me tá fo ra”.
Os acontecimentos que estampam poemas movem-se justo neste vácuo que habita a rotina. É na pausa entre as funcionalidades do dia que o bater de asas da borboleta movimenta o ar e esvoaça seus cabelos que nunca estão exatamente onde você gostaria. Se a borboleta lhe afaga os cabelos, não há não vê-la, não senti-la. A poesia está para todos os lados, a olhos vistos. Gratuitamente. Inundação de vida desperta, consciência expandida e essas coisas. Fosse uma festa, seria open bar.
Assim como não careço de ser para existir, os poemas que me ocorrem brotam deste lugar da existência confortável de apenas ser. De ser apenas. Sem significar, disse Manoel de Barros. Exatamente neste espaço, morada eterna, encontro o Deus. Ele veste bermudas e, de par com o vento, dança.
#desafio 01jun2022