As três (quatro) leituras que fazem parte da minha história

Mironga da Cachimba
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readFeb 27, 2022

Que tarefa desafiadora! São tantas jornadas incríveis que entrei em contato, que fica difícil escolher apenas três. Abri o baú da memoria e resgatei alguns, Com certa injustiça e frustração, das obras que me tocaram profundamente.

1. “Se um viajante numa noite de inverno”, de italo Calvino.

Esse livro me veio à memória de repente. Não lembro exatamente quando o li, só lembro que, em determinado momento, eu voltei algumas páginas porque ele dizia que as páginas estavam em branco, e não estavam. Essa inteligência do Italo, de escrever um livro dentro do livro e conversar com quem está lendo é brilhante. Fora que a introdução é um manual de como se preparar para a jornada proposta.

2. “Por que repetimos os mesmos erros”, de J.D. Nasio

Um amigo me indicou esse livro em um momento que tentava entender meus relacionamentos afetivos. Parecia que eu vivia em looping, sempre escolhendo pessoas indisponíveis ou que do nada a conexão se rompia. Era muito raro, até aqui, eu ter me emocionado ou chorado com alguma leitura e este foi o primeiro. Estava no metrô e tive que controlar a emoção quando terminei a leitura, porque me tocou de uma forma tão profunda, que jamais tinha experimentado. Nasio é psiquiatra, psicanalista e escritor argentino e apesar de algumas referências técnicas que ele traz, é uma leitura que mescla o técnico e o poético.

Destaque para as duas frases que fizeram brotar as lágrimas. A primeira é de Píndaro, poeta grego e a segunda de Sigmund Freud:

“”Justas ou injustas, as coisas acontecidas jamais serão destruídas. Nem o tempo, pai universal, seria capaz de impedi-las de terem sido e de renascerem.”

“Nada na vida se perde, nada desaparece do que se formou, tudo é conservado… e pode ressurgir.”

3. “Southernmost: Rumo ao Sul”, de Silas House

Este livro fez parte do meu projeto de retomar o hábito de leitura, quando fiz a assinatura de uma caixa mensal de livros inéditos, para encontrar autoras e autores diferentes dos que leria. Este foi outro livro que me tocou o coração e me fez chorar, porque ele traz a relação do pastor Asher Shamp com uma comunidade após uma enchente, em que decide abrigar um casal homossexual, mesmo contra todos os valores e sua família. O desenrolar dos eventos envolve, também, a relação com seu filho.

Aí me pegou de jeito, porque me fez reviver as vivências que tive com meu pai, as ausências, tudo que fizemos e deixamos de fazer como pai e filho, as conversas que não tivemos, principalmente sobre minha sexualidade — nunca tive a oportunidade, por medo da rejeição ou de reprovação — de contar ao meu pai que eu era gay. E outra questão que também o livro trouxe foi sobre as reflexões de Asher sobre o papel da igreja, da comunidade, da fé e dos valores.

“REMONTA: a escuta clínica da população LGBTTQIAP+”, minha última e mais recente leitura

A Remonta é uma clínica de atendimento psicossocial para pessoas LGBTQIAP+. O propósito é oferecer apoio psicossocial para pessoas LGBTQIAP+ em situações de risco ou vulnerabilidade socioeconômica, proporcionando acompanhamento psicológico, rodas de conversa temáticas, oficinas culturais e científicas sobre Gênero e Sexualidade, além de cursos de capacitação para estudantes e profissionais da Psicologia e demais áreas da Saúde em Sergipe, e crescendo pelo Brasil.

Este livro tem duas chaves: primeiro, fala sobre a comunidade que faço parte. Segundo, ele questiona como a escuta clínica ainda tem paradigmas médico-psiquiátricos que às vezes discriminam ou tentam enquadrar as vivências LGBTQIAP+ em caixas padronizadas, sobre o lugar do terapeuta que pende entre o lugar do suposto saber e da militância, esquecendo-se da escuta genuína e autêntica daquela pessoa, sem vieses.

Ele tem me ajudado até rever minha própria prática enquanto psicólogo clínico, a ansiedade de querer resolver ou “curar” quem me procura e o quanto me esqueço de dar espaço para a potência e a sabedoria dos(as) pacientes para que elaborem suas questões e angústias.

Para fechar o desafio, antes que outros livros fiquem com ciúmes

A ordem em que coloquei as obras não necessariamente estão por relevância ou importância. Foi mais como cada obra veio e disse “ei, eu quero estar aí, me coloca agora!”. Outras, infelizmente, ficaram de fora deste espaço, porém serão eternamente parte da minha vida e do meu coração, como Iyanla Vanzant e seu “Enquanto o amor não vem”; “Harry Potter e…” todos os sete volumes, Becky Albertalli e “Com amor, Simon”, e tantos outros mais.

Obrigado a todos os livros, listados ou não, por expandirem horizontes, abrir minha mente e quebrarem as bolhas.

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Mironga da Cachimba
Clube da Escrita Afetuosa

Escrevendo e compartilhando minhas vivências na jornada mítico-ancestral, como filho de àṣẹ. Por Gustavo Oliveira.