Assombros da infância que passeiam pela escrita
Medo. Fui desafiada a escrever sobre esse sentimento. A pensar de que maneira o medo pode ser um impedimento ao desenvolvimento da minha escrita. E, de fato, é preciso falar sobre isso. Principalmente agora que externei o meu grande desejo: publicar um livro para chamar de meu.
Quando penso no medo que pode assombrar a minha escrita, eu lembro de um fato que ocorreu na minha infância. Eu tinha 5 anos quando entrei na igreja como dama de honra no casamento da amiga da minha mãe. Eu estava me achando bem bonita naquele vestido rodado, cheio de anáguas por baixo que, embora fossem bastante calorentas, deixavam-me parecendo uma princesa. Eu queria parecer uma verdadeira dama para as pessoas que ali estavam. Ensaiei a minha entrada durante aquela semana e queria que tudo fosse perfeito e que, ao final, todos me elogiassem. E tudo, inicialmente, correu bem. Eu entrei, de mãos dadas com meu acompanhante, e aguardava em pé, na frente do altar, enquanto o pastor fazia a pregação. Até que o meu nariz começou a escorrer. E fui ficando desesperada porque eu não podia soar o nariz ali, na frente de todas aquelas pessoas. Eu não queria fazer feio e decepcionar a minha mãe, nem a amiga dela. Tinha medo de ser chamada de catarrenta. Tinha medo de me acharem nojenta. Tinha medo de sair nas fotos com o nariz escorrendo e aquilo ficar registrado nos álbuns da família. E o medo foi tomando conta de mim. Até que eu explodi. Enquanto o pastor falava, saí correndo, chorando compulsivamente e aos berros, pelo meio da igreja. E a cena daquela igreja lotada, onde todos olhavam para mim, ficou marcada na minha memória.
Desde esse dia, eu me lembro de vários fatos na minha vida em que o medo de decepcionar o outro, de não atender à expectativa de alguém, esteve presente. E percebo que esse mesmo medo, que me assombrou aos 5 anos, ainda me persegue quando estou escrevendo. Agora mesmo, involuntariamente, eu estou pensando “será que meu leitor vai gostar do que estou escrevendo?”, “será que a minha escrita é boa o suficiente?”. Muitas vezes, essas questões martelam tanto ao ponto de eu reservar as palavras que escrevo só para mim. Deixo-as restritas aos meus Cadernos de Anotar a Vida (CAV) — meus diários — ou às inúmeras páginas abertas no google docs, que ficam ali, salvas na nuvem.
Mas estou inclinada a mudar isso. Pensar em tudo isso me levou a duas perguntas: por que eu escrevo? Para quem eu escrevo? Eu escrevo para me sentir livre. É no papel, nesse espaço, para mim, de tamanha liberdade, onde eu consigo me expressar sem censuras. É claro que o autor sempre escreve para um leitor, nesse sentido, eu quero me colocar no lugar de primeira leitora dos meus próprios textos. Porque, se ninguém vier a ler o meu texto, eu li. E se ninguém gostar, o importante é que eu gostei do que escrevi. Não quero mais que os assombros da infância bloqueiem a minha escrita.
#01fev22