Bukowski, bloqueios e blablabá
Às vezes um texto escorrega e me escapa entre os dedos. Quando é assim, sento por horas a observá-lo, der-re-ten-do em banho maria. Tenho passado dias num marasmo de palavras. Bukowski já me alertava disso. A menos que saia da tua alma feito um míssil, ele dizia . Quando me flagro dando ouvidos aos conselhos trôpegos de um velho safado, entendo: não o faças, não o faças.
Ele desataria a rir dos meus devaneios, um riso bêbado e muito sábio. Que ironia. Às vezes me pego pensando estupidezes; que um texto deve ser pomposo, robusto, todo cheio de si. Um texto com mania de grandeza. Logo eu, que me encantei pelos inícios, pelo era uma vez e a pequenice de tramas que cabiam entre um beijo de boa noite e o sono embalado. Histórias miúdas com começos e apenas o princípio de um meio-fim.
Por vezes esqueço que escrever é brincar de ligar pontos. Alinhavar palavras até que se forme uma rosa, dinossauro, ou casal apaixonado. Qualquer coisa que tenha sentido, ainda que o sentido absurdo de linhas que juntas formam um mundo habitável.
Mas tem coisas, tem coisas que precisam ser ditas antes do que se precisa dizer. Cortemos a enrolação. Ser honesta com a escrita é limpar o caminho das letras como um limpa-neves (e nessas horas queria um nome bonito pro tal objeto pra metáfora caber). Um conceito: escrever com uma marreta. A desabar a represa da autocrítica, pedra por palavra.
Bukowski dizia que a escrita deve sair da alma feito um míssil, e se não for assim, melhor não fazer. Às vezes me noto ensaiando um texto com comparações do que acho-deveria-ser, e esqueço que escrever é brincadeira; é abrir espaço pro rio das letras fluir, e me mostrar o caminho do que precisa ser dito.
A autocrítica represa o rio da criatividade, nos afastando do que precisamos dizer.
☾ desafio: escrever um texto, transformar em um parágrafo e depois em uma frase.