Calos nas mãos, orgulho na mala

Paola Lima
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readMay 25, 2022

Cheguei da escola com as mãos ardendo em bolhas. A recomendação era colocá-las em água com sal para curar as feridas. Meu pai viu aquilo horrorizado e não permitiu o molho na água salgada.

— Nem pensar minha filha vai ficar com as mãos calejadas!

Os machucados surgiram depois de um dia inteiro manejando a enxada, capinando a plantação de milho da escola agrícola que eu acabara de ingressar. Aos olhos do meu pai, vejo agora, a situação devia ser mesmo irreal. A filha mais velha, 14 anos, estudante modelo, vaidosa, cheia de alergias, passara o dia sob o sol inclemente do interior da Bahia, capinando o roçado de uma escola, no meio da rodovia. O mais irreal era que tudo isso acontecia por vontade dela.

A decisão de mudar para interior veio pela falta de oportunidades profissionais para ele, meu pai. Uma oferta de trabalho acabou nos tirando da capital e levando todo mundo para Barreiras, no meio do caminho entre Bahia e Goiás.

Fui a contragosto. Queria estudar para o vestibular, queria continuar perto das amigas de infância, queria seguir perto da praia. Sem opção, decidi radicalizar: já que ia para o interior, iria viver experiências nativas, e nada melhor do que uma escola técnica em agricultura e pecuária para me dar isso.

Na primeira semana, de enxada na mão, coceira no corpo devido à do milho, e um tênis Redley novinho quase estragado, pensei em desistir. Mas aí qual história teria para contar dessa minha passagem pelo interior?

(Passagem, sim, porque a única certeza que eu tinha é que não demoraria muito por lá).

Resolvi ficar e encarar a vida de agricultora. O sol, os calos, o parto dos porquinhos que ajudei a segurar, as viagens para buscar adubo nas fazendas, as caronas com caminhoneiros para voltar para casa. A aventura durou um ano e no ano seguinte, fiz as malas para voltar para Salvador, morar com a minha avó e terminar o Ensino Médio na minha escola antiga.

Antes de ir, soube que ninguém do 3.º ano ganhou a aposta feita no primeiro dia de aula sobre quanto tempo eu duraria na escola — o máximo apostado havia sido um mês. Levei comigo amigos com quem falo até hoje. E o orgulho de ter encarado o desafio, de ter provado que aparência não define caráter e uma mão livre dos calos que meu pai nunca deixou engrossar dentro da água salgada.

2mai22

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