Caranguejos da Vovó

Elaine Alves
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readApr 12, 2022

A menina não escondia a animação ao acordar naquele dia de sol.

Na infância, não se tem tempo para dias chuvosos.

Salvo quando a chuva traz com ela os banhos. Banhos de chuva.

Mas só quando não se tem trovões.

A menina aprendeu desde cedo à temer os trovões. Era Deus brigando, dizia sua mãe, e ela sempre achou graça.

Sempre teve como opinião que Deus tinha mais o que fazer, do que se importar com quem põe os pés sem chinelos no chão.

Mas a mãe era irredutível e não tinha jeito!

Melhor não contrariar a grande operação de todos caberem na mesma cama para esperar o pior passar.

Mas aquele dia era de sol.

Como todos os domingos de caranguejos da casa da vó.

A movimentação começava cedo e era um frenesi, tudo acontecia como se nada tivesse sido combinado, mas era uma grande dança e todos sabiam os seus passos.

A menina se deliciava.

Os tios com seus chapéus e risadas engraçadas chegavam e apertavam até doer.

Nas suas lembranças, ela nunca soube se era um tio ou dois, aqueles moços ou moço, irmãos do avô que ela não conheceu.

Ela não sabia de onde vinham, só que era muito divertido escutar suas histórias e risadas engraçadas e ver de longe sua tia fugir dos abraços apertado deles.

O abraço doía! O amor dói?

Eles traziam sempre um amarrado de caranguejos em sua mão direita. Como um troféu!

Como se eles mesmo tivessem catado os tais, num mangue. E colocavam num canto do quintal.

E a morte dos bichinhos era questão de tempo a partir daí. Tic tac.

A vó era responsável por cuidar deles e transformar aquele amarrado num delicioso almoço, que eles comeriam ao som da risada mais estrondosa que a menina escutou na vida.

Ela, sempre fuxiqueira e atrevida tinha a missão de ajudar na matança dos coitados, junto da vó.

Se sentia, a mais importante dos netos, porque não tinha medo, mesmo que as garras fossem imensas. Olhava para a vó e seguia seus passos.

A vó ía resmungando entre um e outro, e se ressentindo se algum tentasse fugir, como se eles tivessem que se conformar com seu destino.

A menina que era encarregada de correr atrás dos que fugiam, sempre estava atenta a qualquer sinal de perigo.

Era a neta mais corajosa da sua avó!

Era a única à estar com sua avó no tanque de cimento, escutando seu lamento rabugento sobre a vida e a morte.

Os domingos de sol, nos dias de caranguejo da casa da vó, eram os dias em que a vó mais sorria, mesmo que de canto de boca.

Eram os domingos de maior aproximação delas.

De aceitação até.

A morte pode ser boa?

O dia seguia e o grande almoço era compartilhado por todos.

E a menina ria.

A menina ria junto da risada estrondosa do irmão do seu avô que ela não conheceu, no domingo de caranguejo da casa da sua avó.

E os dias, eram de Sol.

desafio 01abr22

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