Consegue me ver, agora?

Luisa Kalil
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readMay 25, 2021

– Vô, vou te ligar, ok? Vamos seguir aqui no telefone fixo, mas agora pega o celular e fica com ele na sua frente, até aparecer a chamada. Quando isso acontecer, põe o dedo na tela em cima do botão verde e arrasta pro lado. Conseguiu?

Faz 13 anos que me despedi do meu avô. Muita coisa aconteceu desde então, mas gosto de acreditar que ele esteve comigo, de alguma forma, nos momentos mais importantes. Não sei como ele reagiria à pandemia; informado como era, certamente não questionaria a ciência. Ele estava sempre atento, não costumava questionar mudanças, apenas tentava compreendê-las e buscar a melhor maneira de se adaptar. Quando o assunto era tecnologia, fazia o mesmo. A máquina de escrever no seu escritório deu lugar ao computador; a internet discada chegou e depois mudou para o wi-fi. Usou o celular vez ou outra, mas ainda os modelos mais simples, sabia que os filhos telefonariam para o número fixo, após o jantar. Era assim que ele sabia matar as saudades: falando.

– Mas vô, agora a gente pode se ver. Você ganhou um bom smartphone de Natal, vai gostar de usar! Já que eu não posso te visitar — você sabe que é arriscado — me veja na tela. É verdade, não é a mesma coisa, mas ajudar a amenizar as saudades. Posso te mostrar as mudanças que fiz aqui no apartamento! Comprei mais plantas e troquei o lugar do sofá.

Entre tantas mudanças no estilo de vida, não sei dizer se meu avô estaria bem adaptado às mensagens por WhatsApp ou às chamadas de vídeo. Talvez sim, talvez não. No quesito telefone, acho que iria preferir que ligássemos para a casa dele, mas sei que ele me daria a chance de explicar como realizar uma chamada por vídeo. Sei que gostaria de me ver.

– Vô, acho que você conseguiu. Vou desligar o fixo, ok? O sinal não está muito bom, mas eu vejo um pedaço do seu queixo — tá na hora de fazer a barba, hein? Vô, consegue me ver agora?

Desafio #004mai

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