Contradições do cotidiano
Há duas semanas, conheci o seu Edmilson. Ele vende o melhor abacaxi que já comi. Docinho, massudo e com a cor bem amarelinha, com pouca acidez. Daqueles de agradar a quase todos os paladares. E o melhor para mim, uma verdadeira amante da fruta, é que posso comprar abacaxis fresquinhos sempre que eu quiser, já que o ponto de trabalho do seu Edmilson fica a poucos metros de onde moro. Ah, e baratinho: 3 por 10 reais!
Já virou hábito: às terças-feiras pela manhã vou até o ponto do seu Edmilson. Além de fazer as compras para abastecer a fruteira, aproveito para papear um pouco. Com aparentes 60 anos, ele trabalha junto com o filho. Os dois trazem o abacaxi de Marataízes, um município do Espírito Santo, famoso pela produção da fruta. Numa de nossas conversas, Edmilson revelou a mim o inimaginável: “Odeio abacaxi, não gosto nem do cheiro”.
Espantei-me. Primeiro, porque amo abacaxi de todos os jeitos. In natura, no recheio do bolo, na torta, no molho, no suco e na salada. Segundo, porque achei uma contradição vender algo que não se gosta. Quando o indaguei, ele logo explicou: “Enjoei. Eu mexo com abacaxi de manhã, de tarde e de noite. Lá em casa, minha filha só faz suco de abacaxi, sobremesa de abacaxi… Tudo que é demais, uma hora enjoa, concorda?”
Tive que concordar com seu Edmilson e finalmente compreendi a contradição de ele ser o vendedor de abacaxi que não gosta da fruta. Por mais que se goste muito de algo, é preciso manter um mínimo de distância para se preservar a paixão. Foi assim com os abacaxis de seu Edmilson. É assim também na vida, esse poço de contradições.