Gislaine Aidar Trindade
Clube da Escrita Afetuosa
4 min readMar 11, 2022

--

Desafio 01 Março:

Como eu cheguei até aqui…

Cheguei até aqui com uma dose extra de amor-próprio, otimismo e crença no melhor sempre, criando histórias, ou escrevendo no meu caderno de “pérolas”. Este caderno é a minha caixa de pandora, pois cada experiência importante registro nele.

Em uma família grande, ser a caçula tem suas peculiaridades e desafios: tem que falar alto para ser ouvida; tem que comer rápido para poder comer de tudo; tem que ser independente para criar seus próprios caminhos; tem que olhar para o outro, observar, e decifrar o que acontece num lugar pouco explorado, a alma. Onde muita gente mora, ninguém fica sozinho, mas, ninguém se encontra e todo mundo se vê.

Em uma família de pais extremamente esforçados e trabalhadores — mãe costureira e pai que trabalhava no turno da noite em uma empresa e aos finais de semana cultivava uva no quintal-, os acordos têm seu valor moral até hoje; onde o trabalho é uma responsabilidade quase que sagrada; onde as relações humanas são diferentes, mas, todas humanas. Aprendi a humanizar, a não julgar, a ouvir e a calar.

Quando calo, entendo o que o outro diz sem dizer e penso no que eu poderia ter ajudado. Mas, como fazer, sendo a mais nova de uma família grande? Adivinha… faço uma graça — assim, aquele abismo criado durante uma conversa mais dura, vira a distância entre os lábios que sorriem. Na minha ingenuidade infantil, pensava que havia dado certo, que tinha resolvido o problema com o sorriso das pessoas…

Quando todos conversam e eu não consigo acompanhar o diálogo, pois não entendo rapidamente o assunto, saio do local, tomo uma água e volto “atropelando” o tema para poder participar da conversa. A coragem e o medo se revezam, mas no final, o assunto foi mudando e eu finalmente consegui ser inserida naquele contexto “mais velho”.

Tenho a certeza de que aquela casa era repleta de amor, de falta de tempo, de horários muito diferentes, de sorrisos, de conversas, de despedidas e chegadas rotineiras. Tchau mãe, oi pai, quem pegou a minha blusa, não sobrou comida para esquentar, tenho faculdade…. Claramente sabia o que eu queria e o que eu não queria. Eu almejava coisas diferentes do que aquelas mulheres que viviam comigo e que eu admiro, valorizo, amo e são minhas confidentes até hoje, queriam.

Eu queria dirigir, para tomar as minhas próprias decisões de caminho, trajeto, horário e velocidade. Eu verdadeiramente acredito que dirigir inconscientemente te traz tudo isso. Eu queria conhecer o mundo, porque eu acho o mundo um lugar muito bem frequentado. Eu queria conhecer culturas diferentes, eu queria estudar o que me desse prazer e o que eu acreditasse e não o que os outros haviam decidido por mim. Acredito em relações humanas, acredito no melhor. Acredito que eu queria sair e ter para onde voltar, num lugar cheio de gente e amor.

Mesmo com todos os nãos que eu fui ouvindo — porque uma casa cheia de gente tem isso-, eu fui me apegando aos meus sins. A cada não, ou falta de incentivo, o meu sim ficava mais claro. Pois, a minha crença no amanhã e no melhor, não me deixou titubear. Fui buscar a minha habilitação com a mesma graça que fazia na infância para diminuir as distâncias. Mesmo tardiamente, ela veio. Com ela, veio o primeiro 1/3 de um Fusca. Este carro era o meu passaporte para o meu sonho de desbravar a vida.

Carta na mão e agora ingresso na faculdade de Psicologia. A partir deste momento, um portal se abriu diante da minha vida, pois com ela chegou o primeiro emprego em multinacional e, com isso, as viagens internacionais para conhecer este mundo que eu chamo de meu. As diferenças culturais, de idiomas, de culinária, de religião …. Isso abriu uma porta que nunca mais se fechou. Essa porta abriu outras portas, que abriram outras e assim vai até hoje.

Último ano de faculdade, voltando para casa, farol fechou e foi assim que conheci meu marido. Sim, parada em um sinal. No mesmo dia, o primeiro beijo e assim foram seis anos de namoro e já são 22 de casados. Comecei a entender o papel de madrasta aos 24 anos. Isso foi fantástico, porque como filha caçula, estava tendo duas irmãs mais novas para “brincar”. Com essa brincadeira, tivemos nossos 2 filhos. Com eles eu me realizo, aprendo, preocupo e amo diuturnamente. E com isso retorno aos meus valores de infância: ensinar e demonstrar amor-próprio, otimismo e crença no melhor.

Por um período a minha casa também ficou cheia: cheia de gente, cheia de conversa, cheia de choro de criança machucada, cheia de risada, cheia de amor e acolhimento. Mas, o tempo é implacável. Agora, as minhas enteadas têm suas próprias famílias; o filho mais velho já mora sozinho e bem, bem distante; o filho mais novo está prestes a voar também. Então agora, sou eu que fico esperando meus filhos, enteadas, netos, genros, voltarem para casa depois de fazerem as suas escolhas. Eles têm a certeza de que estarei sempre aqui com os braços abertos e coração transbordando de amor para eles e por eles.

Olho para dentro e decido voltar a fazer coisas da infância que eu amava, e uma delas é escrever, aprendi a costurar como a minha mãe, a cultivar uvas como meu pai e pensando em publicar um livro com as minhas anotações dos cadernos de “pérolas”.

Eu cheguei até aqui gostando da minha companhia, do que eu penso, da pessoa que me tornei.

Gislaine Aidar Trindade

--

--