Desassossego

Carlaprates
2 min readJul 27, 2022

--

Ela achou que ia morrer! Não achou. Tinha certeza.

Os batimentos aceleraram. O peito ardia em dor. Sua pupila dilatou. Na cabeça, os pensamentos ora rodopiavam em círculos. Ora saltavam de uma lembrança para outra.

Ela não conseguia parar os flashbacks. Isso a mataria. Talvez em poucos minutos. Talvez em dias.

A lembrança da traição tinha gosto de ocre ensanguentado. As incertezas do que seria a partir dali. Como ela poderia seguir a vida? E só? Durante anos viveu acompanhada.

Quem era ela? O que queria da vida? O que daria conta? O que não daria?

Ela não sabia o que fazer da vida. E isso também a mataria.

Essa morte, diferente da primeira, veio lenta. A primeira era como atropelamento. Essa, agora, era como uma doença crônica. Fazia com que acordasse à noite. Tirava o sossego. Tinha dia que doía mais. Tinha dia que menos! Mas não parava de doer.

Morreria, na certa! Também viver assim? Neste desassossego? Quem merece?

Ela foi em médico. Curandeira. Terapeuta tântrico. Psicólogo. Psiquiatra. Budista. Ninguém tinha cura pra ela. Ela não tinha cura para si mesma.

Cada um emitia seu diagnóstico, crenças, opiniões. Nada lhe aliviava as dores. Por vezes passava. Durava pouco.

Viver assim? Quem merece?

E já que a morte se demorava, a dor prevalecia. Ela queria saber uma forma de arrancar aquilo de dentro do peito. Dizem que uma separação é fazer cirurgia sem anestesia. Os átomos desfragmentando. Dor intensa.

Ela preparou o lugar e a hora para morrer. Mesmo sabendo que não tinha como premeditar o infortúnio. Esperou ali até que a vida lhe desse cabo. Até que a mariposa nascesse da lagarta. Até que a flor de lótus crescesse no pântano. Até que a nova vida lhe acontecesse.

02jul22

--

--

Carlaprates

Jornalista, apaixonada por ler, escrever e pela vida!