Despedida

Amanda Acacio Rabachini
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readDec 3, 2021

É dia de novo. Recantos levemente tintos da aurora.

Mais uma vez as regras invisíveis foram quebradas. E eu, esvaziada de sentidos, visto histórias antigas e começo o dia me aproveitando de um deleitoso silêncio. Que dura pouco. Menos que um bocejo seu.

O sol começa a ganhar a aposta com as frestas e timidamente muda as formas que compõem o quarto.

Te observo amanhecer, cheio de hábitos coloridos, como o suco que você insiste em escolher pela cor. Hoje verde, ontem amarelo, depois quem sabe? Eu não saberei.

Prefiro café sem açúcar na cama. Folheio livros que não leio enquanto derrubo migalhas de pão e atenção no lençol branco amassado. Nosso preferido.

Os olhares que acolhem ressentimentos se encontram já que claridade frouxa nos entrega. Você me mostra onde abriga seus causos, casos e acasos todos milimetricamente contados pra me prender. E eu, disposta a delicadezas, invento memórias de coisas bonitas e exageradas que poderíamos fazer.

Mais um café?

Sim, ainda tenho tempo.

Você sai e a poeira dança alvoroçada a tua volta, como se esse raio de luz fosse um chamado para salvação. Não é.

Guardo meu sorriso na gaveta emperrada da cabeceira, fecho os olhos e uma sombra intrometida me assusta. É você.

Saio do meu estado de torpor e sofrendo de incoerências, derramo palavras bordadas pra te ferir naquele lugar só seu.

Choramos pelo invisível, culpamos o acaso por todo o desperdício de tempo. O presente reclama o sol alto lá fora e aqui dentro, a lucidez do fim absorve a luz da desesperança.

Todos nossos receios foram desembrulhados com esmero para esse momento, mas para garantir a inteireza do entendimento, digo a palavra que culmina no término de forma clara como o quarto que habitamos neste preciso instante. Acabou.

As mãos, antes dispostas a carinhos, acordos e precipícios se afastam.

Escrevemos poeticamente a história mais bonita das ausências e. experimentamos a rasteira no meio da sala. Doeu.

As nuvens inocentes bailam discretas enquanto o lusco-fusco se torna o papel de parede mais triste do ninho que desmorona.

Os movimentos se tornam mais bruscos, o lençol mais amassado, menos branco e o abandono uma companhia absoluta.

Barulhos revoltos, indignações não ditas, um tropeço e uma risada morna. Você está bem?

Despedidas fúnebres, esperanças guardadas no bolso do casaco marrom, olhos que choviam tristezas. Passos, porta. Adeus.

E já agora, nesse escuro celeste, tua ausência me faz saudade.

#desafio 001/dez

#clubedaescrita

#anaholanda

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