Diário Pessoal

Shirleide Barbosa
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readApr 19, 2022

Arrumar armários é sempre um desafio! Não só pelo trabalho braçal, mas pelo tempo que essa tarefa nos exige. Dizem que quando estamos com alguma questão mal resolvida dentro de nós, devemos arrumar nossos armários na tentativa de, em se organizando prateleiras e retirando objetos que não são mais úteis, que possamos ir desatando os nossos nós emocionais… outro dia, amanheci com a cabeça cheia de dúvidas e questionamentos e resolvi organizar minhas prateleiras de documentos. Comecei pelas contas de energia e faturas de cartão de crédito antigas: rasgadas e jogadas no lixo; apostilas de cursos que fiz há mais de 10 anos e que estavam guardadas para uma possível dúvida que surgisse: direto para a pilha de papéis a serem doados para cooperativa de reciclagem. E à medida que eu ia retirando os papéis e me livrando de sua maioria, uma sensação de paz foi se chegando… até que alcancei uma caixa grande, de papel quadriculado, cujos cantos já estão gastos pela ação do tempo. O coração começou a bater mais forte, pois me veio à memória o que estava ali dentro: os diários de toda a minha adolescência. Um misto de euforia e senso de responsabilidade tomou conta de mim, porque eu sabia que o que estava ali me levaria a lugares que há muito eu não ia, mas também sabia que não tinha o tempo suficiente para ficar. Em segundos, programei o celular para despertar dentro de uma hora e me deixei levar para as memórias daquelas palavras ali escritas: a emoção de reencontrar uma paixão de verão, os encontros com amigos durante uma fuga de aula, o papel de bombom dado pelo menino que eu gostava e que ele nem sonhava do meu sentimento por ele, a sensação de coragem ao ter iniciativa de ir falar com o garoto popular que tocava violão no lual da praia… ah, tantos fatos que estavam esquecidos no tempo, mas que vieram rapidamente à tona pelo simples toque dos dedos naquele papel especial das minhas memórias afetivas. Ali lembrei da adolescente meio reservada, que estava a espera do seu momento de poder se expressar livremente, sem receio do julgamento alheio. Da garota que queria fazer parte da ´turma do fundão´ sem prejudicar seu desempenho escolar. Da jovem que terminou um relacionamento com um garoto muito legal só porque não sabia como enfrentar seu pai e dizer que queria viver aquela relação de corpo e alma…

Ah, os caminhos que trilhamos, as opções que fazemos… sempre me pergunto se somos realmente livres para fazer as nossas escolhas ou se já temos um roteiro pré definido, no qual algumas situações precisam acontecer, independente do trajeto que percorremos. E ali, de frente para os meus diários da adolescência, senti que alguns momentos precisavam ter acontecido. Quase 30 anos depois e, enfim, veio o distanciamento emocional para perceber que algumas coisas simplesmente são como deveriam ser, acontecem como deveriam acontecer… E quando o toque do relógio me fez voltar ao tempo presente, entendi o quão valioso é poder olhar para objetos que são a nossa essência e arrumar as gavetas da alma e do armário.

DESAFIO 04 — MARÇO 2022

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