Mariliz Vargas
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readJun 17, 2022

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DOMINGO MÁGICO

Era nosso segundo encontro. O primeiro foi numa pista de patinação. Nos anos oitenta era moda. Agora ele convidou pro cinema. Na época não haviam ainda shopping centers na cidade. Na cidade vizinha tinha um. Com salas modernas de cadeiras confortáveis. “Ótimo programa para levar a nova namorada.” Pensou o garoto magricela ao me convidar, timidamente, para o filme de domingo a tarde.

Nos anos oitenta, os comerciais de televisão eram muito elaborados, contavam histórias completas para anunciar qualquer coisa. Como fazia pouco tempo que nos conhecíamos, numa das poucas conversas que tivemos, entre um beijo um amasso, comentamos de um determinado comercial de goma de mascar. Um casal novinho como nós, desembrulhava uma lâmina delicadamente e se deparava com uma mensagem melosa. Típico romance adolescente.

Mas voltando ao filme, após assistir, pensamos em passar no supermercado que ficava no mesmo lugar, e comprar pacotinhos do tal chicletes da propaganda. Fomos até as gondolas de doce e procuramos. Nada de encontrar o dito cujo. Procuramos em todos os departamentos do mercado. Perguntamos aos atendentes. Não encontramos. A medida em que a busca caminhava, a frustração do namorado aumentava de forma desproporcional. Ele ficou muito irritado. Queria demais me presentear com a goma de mascar do comercial preferido. Inutilmente eu tentava demovê-lo da ideia. Afirmava que não tinha tanta importância assim achar exatamente aquela marca. Mas ele estava empenhado em ser romântico, nem que para tanto tivesse que fazer um escândalo. Viramos do avexo o lugar. Procuramos em todos os cantos. Bancas de jornal. Lojas de conveniência. Lanchonetes e bares. Não conseguimos nada. De irritado, o namorado entristeceu. Também achei bem exagerada a reação.

Desistimos de procurar e sentamos num dos bancos espalhados pelas belas áreas internas recém-decoradas. Nesse momento ele pega na minha mão, romanticamente, e deposita um pacotinho do malfadado chicletes. Olhei para ele com espanto. Afinal de contas viramos todas as lojas em busca desse negócio e o tempo todo ele tinha um no bolso? Antes que eu pudesse manifestar a minha indignação com tamanho descalabro, ele pediu que eu abrisse um. No papel que envolvia a lâmina encontrei uma mensagem. Ele havia tido o trabalho de pegar um por um dos papéis da embalagem e escrever mensagens para mim. Assim como na historinha do comercial. Romântico.

Todo drama aconteceu, na verdade, porque ele queria comprar uma embalagem fechada no supermercado para que, ao me entregar, discretamente fazer a troca. Queria dar a impressão que as mensagens vieram escritas direto do que ele havia comprado. A ideia era acrescentar um toque de magia a este ao nosso segundo encontro. Achei fofo. Não sei dizer se cairia na história caso realmente desse certo a tramoia. Talvez fingisse cair. Possivelmente simulando um espanto qualquer para satisfazer a expectativa do garoto que tanto trabalho tivera para me arrancar uma reação de espanto. Ganhou no máximo mais um beijinho. E alguns risos mal disfarçados. Mas, apesar de tudo, e exageros a parte, na época até considerei romântico esse gesto adolescente, para uma tarde de domingo.

#desafio 1/ Junho 22

#clubedeescrita

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Mariliz Vargas
Clube da Escrita Afetuosa

Psicóloga. Apaixonada por livros, dança, música e escrita.