Ela
Ela se levanta às 6. Distraída na disciplina das horas, faz barulhos pela casa, acorda as filhas, prepara o café, cuida dos seus.
Depois, se veste correndo, atrasos inevitáveis, dispersa na vida. Bate a porta e vai até à escola. Beija e abençoa. Confia nas proteções que não vê, mas sente.
Volta para casa, dirige e pensa num roteiro estruturado que cria para si a cada dia. Obedece às leis do trânsito, cumpre todas as leis. São muitas leis.
Conserva e recolhe sentimentos, detalhes, dentro de si, em potes preciosos, enfileirados, preservados. Tesouros refletidos em seus grandes olhos. Castanhos.
Logo depois, se expande. Sorri para o porteiro, acena para a faxineira, conversa com o lavador de carros. Palavras amenas, doces, macias em algodão, que se transformam em agulhas e ferem, mal vislumbra uma deslealdade, uma ironia. Endurece o corpo. Vira pedra.
Também aplica rigores nos cuidados da casa. Pressiona as filhas, o marido. Organiza, exige, busca perfeição. Precisa de ordem para não se perder no seu mundo interno.
Voa por paisagens que descortina em janelas ocultas. Abre portas invisíveis quando está em contato com a natureza e as artes. Volta-se para o belo com fome e sede.
Está dentro e fora de casa ao mesmo tempo. Sem pressa. Sabe ficar com os seus afetos, cultivar os amores, nutrir a alegria, presente no sorriso que distribui — um pouco reservada, um tanto ingênua, muito sincera — pelo mundinho que a cerca.
Cláudia Figueiredo, 13/12/2021
Desafio #2 — Dezembro de 2021
Clube da Escrita Criativa e Afetuosa Ana Holanda