Ela nunca quis ser mãe

Ariela Maier M. Novaes
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readMar 23, 2021
Photo by Nina Hill on Unsplash

Ela nunca quis ser mãe. Nunca se imaginou grávida. Nunca imaginou que sua felicidade dependesse de crianças geradas em seu ventre. Nunca se imaginou abnegando de sua vida em nome de filhos, assim como sua mãe o fez. Porém, aconteceu.

A primeira gravidez foi porque a pílula anticoncepcional não fez efeito. A segunda, foi a camisinha que estourou. Dessa, nasceu Isis.

Nas duas vezes em que engravidou, foi abandonada pelos seus companheiros.

Seus sonhos se afogaram dentro de si. Mas nunca, ninguém se importou em saber quais eram, não é mesmo?

Aos olhos de seus vizinhos, ela era a mãe solteira do bairro. A pecadora mãe de duas crianças com pais diferentes. A mãe que não conseguiu “segurar” nenhum de seus namorados. A mãe irresponsável que deixava seus filhos aos cuidados da creche ou do pai, que já parecia estar se esquecendo de muita coisa. A mãe “piriguete” que andava na rua com shorts muito curtos. A mãe incapaz que teve que largar a faculdade de enfermagem. A mãe burra que vivia de bicos de faxineira. A mãe puta que vez ou outra passava um batom vermelho na boca. A mãe fraca que teve depressão pós parto no lugar de estar comemorando aqueles momentos únicos na vida de qualquer uma…

Para os outros, ela era a mulher que não queria ser mulher. Mas para ela própria, só era uma mulher que não queria ter sido mãe.

Um dia, Isis teve febre, e ela, permeada de exaustão, não percebeu que adicionou à mamadeira um remédio diferente de Dipirona, algo fatal para uma criança. Sua filha amanheceu morta.

Foi aí que seus sonhos emergiram e mesmo sem perceber, ela criou histórias como aquelas que lia em sua adolescência, nos livros de Agatha Christie. Ou aquelas que ela sempre quis escrever e nunca conseguiu. Sua imaginação estava doente e descontrolada, sufocada por tantos anos de privação, voltou sublinhada de fantasia perturbada. Tudo que não virou palavra escrita, virou palavra falada, virou palavra vivenciada.

Aos olhos de seus vizinhos, a mãe psicopata fora finalmente presa.

Quando tomou o controle de seus devaneios, mais enfraquecida e apavorada que nunca, não se perdoou por não ter sido uma boa mãe. Não se perdoou por não ter sido uma boa filha. Não se perdoou por ter sido “diferente” de “qualquer uma”. E por fim, não se perdoou por nunca ter sido escritora.

Uma cela solitária; cadarços de tênis; o cano de um chuveiro. E pela primeira vez, consciente de sua imaginação, se permitiu ser guiada por ela.

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