Encontro

Cynthia Teixeira Esteves
Clube da Escrita Afetuosa
5 min readJun 29, 2022

Claude caminhava pelas ruas de Paris à procura de alguma inspiração para o seu próximo texto. Já teve três livros publicados, sendo que apenas um deles fez grande sucesso. Porém, suas ideias foram embora. Certa vez, ficou encarando uma folha em branco por 5 horas, sem saber o por onde começar a escrever. Palavras aleatórias surgiram em sua mente confusa, mas nenhuma delas fazia sentido.

Descobriu-se com o tal bloqueio do escritor. Temido por muitos e desacreditado por outros. Para Claude, ele é real até demais.

Já não lembrava quantas voltas deu pela cidade inteira. Visitou o Louvre inteiro duas vezes. Encontrou turistas do mundo todo. Já andou atrás de parisienses para saber o que iriam fazer mas, desistiu quando, certo dia, foi parado por um policial, e precisou provar que era escritor. Este, com certeza conta até hoje a história de quando parou um louco na rua que se dizia escritor.

Virou a esquina, decidido a parar em alguma cafeteria. Sempre há pessoas interessantes nesses ambientes. Foi então que viu uma criatura interessante e um tanto familiar entrando em um café. Ficou encarando. Não conseguia lembrar de onde a conhecia. Não era da família, nem do seu convívio social. Talvez tenha esbarrado em uma de suas longas voltas no Louvre. Aparentemente, fazia o estilo de uma pessoa culta, com roupas largas, que anda com um ar de superioridade e ama um bom café e vinho.

Lembrou de uma pessoa bem conhecida. Mas, não fazia sentido encontrá-la em Paris. Na verdade, não poderia encontrar em nenhum outro lugar, que não fosse dentro de seus livros. Curioso, decidiu ir atrás dela. Quanto mais andava, mais seu coração acelerava. Começava a suar frio. Pensava nas diversas possibilidades do que poderia acontecer se tentasse criar uma conversa.

Entrou no café e se deparou com dois balcões; em um estavam os doces, que eram lindos e pareciam ser suculentos. No outro, estavam salgados. Acima deste, estava o menu do local, com as diversas opções que havia, mas, Claude estava pensando tanto em ir conversar com ela, que não conseguia ter foco no que estava lendo.

Ficou longos minutos, olhando entre o menu e a vitrine. Vitrine e menu.

Talvez não fosse muito seguro ir conversar com ela. Talvez ele fosse ignorado. Acreditava que seria bombardeado com palavras horríveis. Seu humor dependeria de como o dia anterior terminou e como o dia atual começou.

Voltando sua mente para o café, decidiu pedir a opção mais simples; seu pedido de sempre. Um Croque Monsier com um capuccino grande. Preferia mesmo uma bebida alcoólica, mas, ainda não era o momento, infelizmente. Essa sim seria a melhor opção para conseguir criar coragem para conversar com ela.

Enquanto aguardava o seu pedido ser feito, treinava como seria a conversa entre eles. Acreditava que seria algo afetuoso e feliz, como dois velhos amigos que não se encontravam depois de muito tempo. Contariam todas as notícias mais importantes sobre suas vidas, trocariam seus números e iriam embora. Cada um para o seu canto.

-Senhor, seu pedido — disse a atendente, olhando Claude com certa curiosidade.

Acordado de seu devaneio, pegou o pedido e seguiu até a mesa em que ela estava. No café não tinham muitas mesas ocupadas; era mais fácil ouvir barulhos de talheres e xícaras do que conversas. Ela estava sentada em um canto, bem longe de qualquer pessoa, com uma generosa taça de vinho. Lembrou o quanto ela era anti social e difícil de lidar. Chegou na mesa pedindo licença e se sentando. Começou a se apresentar enquanto ela o fitava desconfiada. Deu um oi para ele, tão seco quanto o tempo que fazia lá fora.

A conversa começou com dificuldade. Ele estava animado e tentava puxar assuntos de interesse dela. Perguntou sobre o vinho que tomava.

-Tinto. — respondeu ela, evitando falar mais do que o necessário.

Contava, animado, como foi a criação de seu livro. Como foi levar sua obra até uma editora e sua publicação. Sua animação contando, deixava ele ouvir que ela tentava fazer ele escutar. Não percebeu que o ódio dela já escorria pelos olhos. Ela já não sentia mais vontade de tomar seu vinho, que estava intacto. Quando não aguentava mais, ela explodiu sua raiva em cima dele:

- Você não percebe o quão chato você é?! Você só pensa em si, não pensa no outro. Você é um escroto!..

Continuou dizendo palavras horríveis sobre ele, que ficou indignado. Suas palavras eram um balde de água fria e um soco no estômago. Impaciente com o que ouvia, levantou bruscamente derrubando sua cadeira.

- Você é ingrata! Eu fiz tudo por você! Se não fosse por mim, você não estaria aqui hoje! Vadia!

Continuou gritando. Os clientes já o olhavam; curiosos e confusos. A atendente, assustada, já estava com o telefone em mãos falando com a polícia, que chegou logo em seguida.

Quando o policial entrou no estabelecimento, não acreditou na cena e na pessoa que estava ali. Era o mesmo indivíduo que outro dia dizia-se escritor. Tem louco pra tudo nessa cidade”, pensou enquanto se controlava para não rir. Chegou até a mesa e abordou Claude.

- Com licença Senhor. Está com algum problema? Posso ajudar em algo? Acho melhor o senhor me acompanhar até a rua, está incomodando as pessoas..

- Desculpe seu guarda, estou apenas conversando com essa moça. Acho que acabei me alterando. Não quis assustar ninguém.

Sem entender nada, enquanto olhava para a mesa e Claude, o guarda pergunta:

-Mas, que moça? Não vi ninguém com o senhor, desde quando entrei aqui.

-Como assim?! Esta que está na minha frente.

Ao olhar para a outra cadeira, Claude percebe que não tinha ninguém. Olha para os lados, e não percebe nenhum sinal dela. O que vê, são apenas olhos curiosos e gente fingindo não estar filmando com o celular.

Tentar explicar de alguma forma o que estava acontecendo.

- Provavelmente ela deve ter fugido para o banheiro ou para a rua quando viu você chegar. Às vezes ela faz isso quando está com medo.

O guarda perguntou ao atendente se havia mais alguém na mesa. Mas a única resposta que teve, foi um não.

- Ninguém entrou aqui antes dele. Ele chegou, com uma cara estranha. Sentou na mesa e ficou falando sozinho. Com a parede. — disse a atendente.

Antes que pudesse ouvir mais desculpas, o policial pegou as algemas e colocou nos braços do escritor, que tentava se soltar e se explicar. Foram direto para a delegacia, onde mandaram procurar algum tipo de tratamento.

O policial conseguiu mais uma história engraçada para contar na roda de amigos. Claude, descobriu-se com esquizofrenia. Foi isso que ouviu do médico psiquiatra. É isso, ou se perdeu para sempre no meio de suas histórias.

Desafio 02jun22

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Cynthia Teixeira Esteves
Clube da Escrita Afetuosa

Escritora taurina e introvertida. Escrevo Crônicas sarcásticas mas que também fazem pensar.