Ensinamento memorável de uma bebê esquecida

Ana Rocha
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readMay 24, 2022

Não tenho certeza da idade que eu tinha. Talvez uns sete anos. Também não lembro que menina havia nascido no nosso círculo de relacionamento familiar naqueles tempos. Fato é que eu acompanhava minha mãe em uma loja de roupinhas de bebê. Também não lembro se foi lá que ela encontrou o que procurava. Nisso tenho que perdoar minha memória. Afinal, qualquer compra que minha mãe faz requer uma peregrinação exploratória de opções e preços em vários lugares.

Mesmo tendo aprendido que não se rouba, naquele dia, quando percebi que não era observada, peguei na loja um desses enfeites para bebês. Esses bem pequenos, que deveriam vir equipados de um milagre para poderem parar na cabeça de um recém nascido. Peguei sem pensar muito. O que deu tempo foi desejar presentear aquela criança com algo obtido por conta própria. Parecia uma oportunidade a não ser desperdiçada. Seria eu capaz?

Recordo perfeitamente o turbilhão interno que vivi. Me senti ousada. Me arriscando como nunca. Da adrenalina, fui ao medo. E se fosse descoberta? Como minha mãe reagiria? Quanta vergonha sentiria? Consciência. Errei. Agora já estava no campo de visão dela e da vendedora. Devolver seria admitir. Me expor à humilhação. Tudo isso em segundos.

E como as crianças nesta idade pouco podem interferir na ordem do dia, fui pega pela mão para sairmos da loja. Já estávamos na rua de novo. Cada passo agravava mais a confissão.

Fui me dando conta da minha estupidez. Como poderia entregar aquele presente sem me entregar? O que diria? Que achei na rua? Além de ladra, mentirosa. Não sei o que fiz. Não registrei este desfecho. Falei pra mãe? Será que ela lembra? Será que quero lembrá-la?

A culpa pelo meu delicado furto me acompanhou por muito tempo. Uma vergonha calada, guardada apenas comigo. Virou uma espécie de voz da consciência. Valeu a pena, pois não se repetiu. Não sei quem era a bebê. Se é alguém com quem convivo hoje. É mesmo incrível como um ser pode impactar outro sem nem saber. Mesmo que mal tenha nascido. Estes deveriam ser os amigos secretos.

#Desafio2 maio2022

Escrever a partir de uma memória pessoal — Clube da Escrita Afetuosa, ministrado por Ana Holanda

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