Entre quintais e apartamentos

Patricia Moura
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readMar 18, 2022

Esse quintal era daqueles com árvores e balanço de ferro com cadeira dupla. Tinha ganhado de presente dos pais, com sua irmã, por ocasião do dia das crianças. Adorava brincar por lá. Principalmente quando vestia-se das roupas mais velhas dos pais que eram autorizadas para esses momentos. Assim como os sapatos. Junto, estava sempre em seus braços, o Bolão. Esse era o nome que elas davam para um boneco todo de plástico, com pescoço, pernas e braços articulados. O tamanho era de um bebê de verdade. O boneco preferido delas, com roupinhas, mamadeira e chupeta de bebê de verdade. Eles, o seu e o da sua irmã, moravam no ex-viveiro de pássaros do proprietário anterior e que agora era a casa de boneca delas.

Teve a fase do quintal escolinha, quando brincava de ser professora. Ora das bonecas, ora dos amigos vizinhos. Eles se faziam de alunos e copiavam os deveres do quadro de giz improvisado na parede dos fundos da casa. Também foi o quintal da piscina Tony. Abrigava todos os colegas da vila de uma só vez.

Esse quintal era o mesmo que tinha uma garagem a descoberto, onde seu pai estacionava os vários Chevettes que teve ano após ano. Ele mesmo cuidava da manutenção dos seus carros. Tinha sempre a superimportante contribuição daquela que pisava no pedal do acelerador. Como era um quintal realmente bem grande e arborizado, também tinha lugares para as mais de 50 espécies de samambaias de sua mãe, com berçário e hospital para plantas. Esses lugares eram um cantinho mais úmido e abrigado da luz e da passagem de pessoas.

Certa vez, sua família quis mudar-se para um novo quintal. Ela resistiu até o último minuto, recusando-se a conhecê-lo. Preferiu ficar choramingando dentro do Chevette, a ter que se interessar pelos novos territórios de quintal. De repente, já estavam por lá, ela e sua família. Na parte dos fundos, houve a tentativa de substituir a piscina Tony. A ideia era boa, mas a engenhoca de seu pai não deu muito certo. Mas foi triste perceber que, neste quintal, as mais de 50 espécies de samambaias da mãe não resistiram à falta de sombra na garagem, bem pequena, e que já não acolhia mais os Chevettes de seu pai. Não havia mais o Bolão ou a casa das bonecas. Só era possível brincar com as Susis pelo chão daquela garagem que agora estava vazia. Foi muito rápido que tudo aconteceu. Foi bem rápido, também, quando dispensou o quintal definitivamente para as brincadeiras.

A verdade é que este quintal perdeu o sentido para aquela família. Preferiram apartamentos. Lá no seu apartamento, em companhia de sua irmã, penso que seu quintal foi substituído pelo quarto que pôde ter só para si. Essa foi uma melhor parte! Por lá, guardava seus livros da faculdade de Psicologia, seus materiais de trabalho como professora e sua máquina de costura quase nunca usada. Fez tudo do seu jeito, com televisão, videocassete e telefone. Foi assim por algum tempo. Ao contrário do Chevette do pai, o carro que ocupava a garagem daquele apartamento era o seu Chambinho, o carrinho do coração. Esse era o apelido carinhoso dado pelas amigas ao seu Uno Mille Vermelho, ano 94, que estava sempre pronto para a próxima aventura.

Um dia, uma pessoa lhe convidou para conhecer o apartamento que morava, em uma cidade distante. Ela aceitou e gostou das promessas de compartilhar uma família que ocupasse aquele apartamento, todos juntos. Seu Chambinho lotou o bagageiro de livros de psicologia. Atualmente, eles continuam naquele mesmo apartamento, habitando-o em família. Pensam na ideia de terem um quintal de verdade. Com espaço de convivência para receber amigos e, quem sabe, com uma piscina que não seja nem a Tony e nem a engenhoca do passado. Ela pensa em ter o seu consultório de Psicologia dentro do quintal, e ele, o seu Jeep na garagem.

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Patricia Moura
Clube da Escrita Afetuosa

Psicóloga e Bordadeira. Eu gostaria que a minha presença pudesse fazer a diferença na sua vida e, de alguma forma, isso faz toda a diferença para mim.