Eram vozes
Insistentes,
múltiplas,
infinitas
Eram nomes
Estranhos,
engraçados,
infinitos
Eram multidões
Me tiravam do ar,
me convidavam para dançar,
insistiam em conversar
Demorei muitos e muitos anos para aceitar o convite
Não me enlouqueciam
Tampouco me amedrontavam
Sabia que não vinham do além
Não eram as vozes dos mortos
Ao contrário, eram as vozes dos que pediam para nascer
Um universo completo aqui dentro, amigos e irmãos imaginários, mães artista de novela, pais executivos que me buscavam na escola, casamentos com príncipes e malucos, casebres e mansões, nas Ilhas Maldivas, no Japão, muitos filhos, 3 mil profissões
Tudo tão possível
— Você vive distraída! ralhava o professor e me punia com a nota mínima
— Não pode passar um passarinho que você voa com ele — poetizava aquela outra professora
Cresci achando que eu era ruim em tudo, distraída, amorfa e sem talentos
Fui sacudida por tantos caldos marítimos que imaginei que me faltaria para sempre o ar
A surpresa foi que ao invés de me afogar o mergulho me ensinou outra vez a respirar
Aprendi que desejos, talentos, intuições e sentimentos não se deixam segurar, domar ou matar
Ou se morre com eles ou se vive por causa deles
As vozes que por tanto tempo gritaram alto e roucas dentro da minha cabeça encontraram auto falantes em formato de papel, caneta, lápis, teclado, tela, dedões
Aprendi enfim
palavras escritas são seres vivos pedindo para viver fora de mim
Desde então as cultivo
#desafio002setembro